
As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian *
É impressionante como o filão de “filmes de fantasia” cresceu depois do enorme sucesso da trilogia do “Senhor dos Anéis”. O triste é que o gênero não mais joga com o infinito da imaginação, não se aventura pela construção de climas e sentimentos. Com a exceção de um ou outro (em especial “Stardust” e "As Crônicas de Spiderwick"), a fantasia se resume basicamente a uma grandiosidade barroca-realista, com efeitos por minuto se sobrepondo à dramaturgia.
Neste universo de suposta magia, ”As Crônicas de Nárnia” é certamente a série que mais me incomoda. O que temos é uma irritante maçaroca de simbolismos. Ao belicismo acrescenta-se todo um arsenal de figuras fabulares/irreais e um discurso reacionário e arrogante de nobreza e bondade. Um conto de fada infantil, um filme de guerra medieval, e uma alegoria do triunfo do cristianismo. Longos, os dois filmes da série jamais conseguem, nem por um instante, nos instalar em um universo supostamente mágico. Tampouco nos permite pensar por nós mesmos, investindo uma compreensão controlada e cheia de maniqueísmos.
O segundo filme da série, ”As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian”, se afasta um pouco daquela espiritualidade barata que marcava o primeiro filme e se concentra agora em uma shakespeariana sucessão de trono. Investe-se também na ação e em uma violência higiênica – para não atrapalhar a pipoca ou complicar a censura. Aposta-se mais uma vez na grandiosidade do espetáculo. Um espetáculo limitado ao exotismo proporcionado pelos efeitos - os verdadeiros responsáveis pela construção do realismo, já que os atores, a decupagem e o ritmo parecem secundários. “Príncipe Caspian” é de fato mais grandioso que seu antecessor. Mas não ajuda ter tantas seqüências chupadas do “Senhor dos Anéis” (a revolta das árvores, o rio e seus dedos, a fortaleza de pedra, a perseguição a cavalo), onde a expressão da pujança tecnológica-visual-sonora de Hollywood é muito mais hipnotizante.
Joy Division **
Produzido e dirigido por um fã confesso da banda, o documentário “Joy Division” se apresenta como uma espécie de discurso oficial sobre a trajetória deste que é um dos grupos mais importantes do new wave. Grant Gee (diretor de clipes do U2 ao Blur, e realizador do documentário “Meeting People Is Easy”, com base na turnê de “OK Computer”, do Radiohead) não se mostra interessado em revelações bombásticas, em levantar debates, cutucar polêmicas ou mesmo propor novas interpretações ao ideário da banda. A partir de entrevistas e depoimentos de remanescentes da grupo – Bernard Sumner (guitarrista), Peter Hook (baixista) e Stephen Morris (baterista) – e profissionais e amigos como Tony Wilson (produtor e co-fundador da Factory Records, gravadora que prensou os dois únicos álbuns deles), Annik Honoré (amante de Ian Curtis), Pete Shelley (do grupo Buzzcocks), e Anton Corbijn (autor da antológica foto em Manchester Apollo (1979) e diretor do filme “Control”), o que temos é um inventário saudosista, emotivo e “chapa branca”. Apesar de limitar possíveis vôos e experimentações, esta fidelidade ao discurso oficial do Joy Division tem obviamente o seu interesse.
No mais, como bem disse o Cléber Eduardo lá na Cinética, “Joy Division” é um filme frágil em suas escolhas e forte em seus efeitos. Em sua curta, porém fundamental existência, o Joy Division se tornou um dos combos mais inspirados da história do rock. Onde os punks eram luta e destruição, o Joy Division era contemplação e desespero - Tony Wilson descreve brilhantemente essa mudança como uma passagem do “fuck!” para o “I’m fucked!” O resgate de imagens raras de apresentações da banda na Granada TV (1978) e na BBC (1979) valem o ingresso e confirmam o curto circuito poderoso e cativante que o Joy Division trouxe ao rock. Guitarras em timbres estranhos, um baixo alto e distorcido, uma bateria rápida de som “achatado”, intervenções gélidas do teclado, e a voz grave de Curtis cantando pequenos e assustadores contos psicóticos. Poucas bandas encararam com tanta honestidade e sensibilidade sentimentos tão difíceis de serem assimilados e transmitidos.
É impressionante como o filão de “filmes de fantasia” cresceu depois do enorme sucesso da trilogia do “Senhor dos Anéis”. O triste é que o gênero não mais joga com o infinito da imaginação, não se aventura pela construção de climas e sentimentos. Com a exceção de um ou outro (em especial “Stardust” e "As Crônicas de Spiderwick"), a fantasia se resume basicamente a uma grandiosidade barroca-realista, com efeitos por minuto se sobrepondo à dramaturgia.
Neste universo de suposta magia, ”As Crônicas de Nárnia” é certamente a série que mais me incomoda. O que temos é uma irritante maçaroca de simbolismos. Ao belicismo acrescenta-se todo um arsenal de figuras fabulares/irreais e um discurso reacionário e arrogante de nobreza e bondade. Um conto de fada infantil, um filme de guerra medieval, e uma alegoria do triunfo do cristianismo. Longos, os dois filmes da série jamais conseguem, nem por um instante, nos instalar em um universo supostamente mágico. Tampouco nos permite pensar por nós mesmos, investindo uma compreensão controlada e cheia de maniqueísmos.
O segundo filme da série, ”As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian”, se afasta um pouco daquela espiritualidade barata que marcava o primeiro filme e se concentra agora em uma shakespeariana sucessão de trono. Investe-se também na ação e em uma violência higiênica – para não atrapalhar a pipoca ou complicar a censura. Aposta-se mais uma vez na grandiosidade do espetáculo. Um espetáculo limitado ao exotismo proporcionado pelos efeitos - os verdadeiros responsáveis pela construção do realismo, já que os atores, a decupagem e o ritmo parecem secundários. “Príncipe Caspian” é de fato mais grandioso que seu antecessor. Mas não ajuda ter tantas seqüências chupadas do “Senhor dos Anéis” (a revolta das árvores, o rio e seus dedos, a fortaleza de pedra, a perseguição a cavalo), onde a expressão da pujança tecnológica-visual-sonora de Hollywood é muito mais hipnotizante.

Produzido e dirigido por um fã confesso da banda, o documentário “Joy Division” se apresenta como uma espécie de discurso oficial sobre a trajetória deste que é um dos grupos mais importantes do new wave. Grant Gee (diretor de clipes do U2 ao Blur, e realizador do documentário “Meeting People Is Easy”, com base na turnê de “OK Computer”, do Radiohead) não se mostra interessado em revelações bombásticas, em levantar debates, cutucar polêmicas ou mesmo propor novas interpretações ao ideário da banda. A partir de entrevistas e depoimentos de remanescentes da grupo – Bernard Sumner (guitarrista), Peter Hook (baixista) e Stephen Morris (baterista) – e profissionais e amigos como Tony Wilson (produtor e co-fundador da Factory Records, gravadora que prensou os dois únicos álbuns deles), Annik Honoré (amante de Ian Curtis), Pete Shelley (do grupo Buzzcocks), e Anton Corbijn (autor da antológica foto em Manchester Apollo (1979) e diretor do filme “Control”), o que temos é um inventário saudosista, emotivo e “chapa branca”. Apesar de limitar possíveis vôos e experimentações, esta fidelidade ao discurso oficial do Joy Division tem obviamente o seu interesse.
No mais, como bem disse o Cléber Eduardo lá na Cinética, “Joy Division” é um filme frágil em suas escolhas e forte em seus efeitos. Em sua curta, porém fundamental existência, o Joy Division se tornou um dos combos mais inspirados da história do rock. Onde os punks eram luta e destruição, o Joy Division era contemplação e desespero - Tony Wilson descreve brilhantemente essa mudança como uma passagem do “fuck!” para o “I’m fucked!” O resgate de imagens raras de apresentações da banda na Granada TV (1978) e na BBC (1979) valem o ingresso e confirmam o curto circuito poderoso e cativante que o Joy Division trouxe ao rock. Guitarras em timbres estranhos, um baixo alto e distorcido, uma bateria rápida de som “achatado”, intervenções gélidas do teclado, e a voz grave de Curtis cantando pequenos e assustadores contos psicóticos. Poucas bandas encararam com tanta honestidade e sensibilidade sentimentos tão difíceis de serem assimilados e transmitidos.