segunda-feira, julho 12, 2010

brillante mendoza


- Chegado relativamente tarde à realização (assinou o seu primeiro filme quando já tinha ultrapassado os 40 anos de idade, depois de uma carreira profissional como production designer na publicidade e na TV), Brillante Mendoza é provavelmente o mais famoso dos diretores filipinos - tendo arrebatado o prêmio de Melhor Diretor em Cannes por Kinatay (2009). Da estréia com “Masahista” ao recente “Lola”, já são oito longas.

- Mendoza compartilha com seus conterrâneos a mesma visão crítica a respeito da realidade do país e a mesma independência quanto à produção e à distribuição de seus filmes, mas se mantém um pouco distante da comunidade informal formada pelos demais realizadores filipinos. Essa distância marca diferentes motivações estéticas.

- Seu cinema é herdeiro direto de Lino Brocka e fala de forma contemporânea sobre os conflitos sociais, religiosos e de gênero que atravessam o país. Mendoza filma sem miserabilismos ou condescendência personagens complexos às voltas com dolorosos dilemas morais.

- Mendoza vira a câmera para os aspectos mais duros da realidade das Filipinas e aborda seus temas com a intensidade de um documentarista. Seus personagens, obcecados pela sobrevivência, não estão imunes aos contornos melodramáticos das situações em que estão envolvidos.

- Mendoza pratica um cinema de perseguição, no encalço dos personagens, documentando os corpos e como eles negociam com o meio. A câmera na mão está sempre à serviço dos personagens firmemente ancorados em uma realidade registrada a partir de uma idéia de autenticidade.

- Como Brocka, Mendoza produz um “mais de realidade”, com uma câmera à flor da pele e um uso muito interessante da faixa sonora. A imagem não reproduz um mundo, mas constitui um mundo autônomo, feito de rupturas e desproporções, privado de todos os seus centros.

- Sentimos o tempo todo a mão do cineasta. Às vezes ela pesa bastante: toda vez que Mendoza tenta dizer mais do que nos mostra, quando a energia da cena deve ser gerada em outra instância que não essa câmera na mão nos ombros dos personagens, quando, por exemplo, recorre ao campo/contracampo...

- O cinema de Mendoza se vê e se sente. Talvez sua maior habilidade seja a capacidade não somente de nos instalar em um determinado ambiente como também de nos contaminar com o peso que ele carrega.

- Seus filmes se passam sempre no cotidiano barulhento em bruto e sempre em movimento. E se a banalidade cotidiana tem tanta importância é porque ela é capaz de se revelar a si mesma numa nudez, crueza e brutalidades visuais e sonoras que a tornam insuportável.

- É do cotidiano que nascem as tramas, muitas vezes dignas de cinema de gênero, como o terror em “Kinatay”. Essas histórias como que pairam já prontas no ar. Talvez seja essa atenção ao cotidiano que faz com que nós brasileiros reconheçamos facilmente a realidade representada por Mendoza.

- “Kinatay” (“carnificina” em filipino) talvez seja o seu melhor filme. Um conto moral sobre homens às voltas em circunstâncias terríveis. O longa começa agridoce alternando cenas de um casamento e festa em família e planos de ruas caóticas. Mendoza não nos prepara para o horror que se segue. O jovem que acaba de se casar e está estudando para se tornar policial faz um passeio de van às profundezas da corrupção ao tomar parte na execução de uma prostituta endividada.

- A câmera flagra o rosto do jovem e observa o assassinato e atroz esquartejamento. O horror é descrito a partir dos olhos de um personagem, com quem somos obrigados não exatamente a nos identificarmos e sim a nos irmanarmos. Mendoza centra suas atenções no fator humano.

- Peping, o personagem principal, é pobre. Mas, ao contrário dos demais filmes de Mendoza, em “Kinatay” a pobreza não é uma motivação central. Ela é mais uma presença poderosa. Mas o que interessa não é como a pobreza transforma homens bons em ruins e sim as fragilidades desses personagens, sempre na iminência de sucumbir moralmente.

- Muitos tacham o cinema de Mendoza como pornográfico (inclusive alguns cineastas filipinos), interessado em filmar as mazelas filipinas para o consumo de estrangeiros. E Mendoza certamente trabalha entre a autenticidade e o fetiche. Seus filmes afirmam certos procedimentos e estratégias e estes procedimentos e estratégias põem por vezes em risco a vontade de arte dos filmes, fazendo dela um comércio, uma pornografia. Mas devo confessar que a honestidade de Mendoza me desarma. Seu projeto de cinema é cristalino, sempre certo do que quer e para onde está indo.

Um comentário:

Wanderson Lima disse...

Texto muito inteligente, raro de se ver. cada fragmento é um avanço, uma consquista, um desvelamento. Obrigado por compartilhar sua agudeza conosco.