quarta-feira, setembro 22, 2010

ozu

O tempo foi passando e acabei não falando nada da incrível mostra do Ozu. Pois bem, não pude acompanhá-la como gostaria, mas revi meus favoritos (“Era uma vez em Tóquio”, “Pai e filha” e “Dias de outono”) e assisti outros que ainda não conhecia. Gostei muito dos três abaixo.

Coração caprichoso (1933)

Foi uma experiência bem curiosa ver este filme. “Coração caprichoso” é um longa mudo onde os princípios estilísticos e narrativos que acompanham a obra de Ozu já se apresentam, embora ainda de maneira talvez "rudimentar." Há também uma preocupação mais detida na composição plástica dos planos. Ozu ainda faz uso de um jogo com o foco. Em alguns momentos, a dominante dramática parece desfocafa, enquanto o restante do plano nos chega limpidamente. Além disso, é um filme despudoradamente comercial. No belo livro de Kiju Yoshida sobre Ozu, encontrei esta citação do cineasta, que data do lançamento de “Coração caprichoso”. Leiam:

“A vida dos japoneses é absolutamente não-cinematográfica. Por exemplo, ainda que seja para simplesmente adentrar uma casa, é preciso abrir a porta corrediça, sentar-se no vestíbulo, desamarrar os sapatos, e assim por diante. Não há como evitar estagnações. Por isso, o cinema japonês não tem outra saída senão retratar essa vida propensa a estagnações por meio de mudanças que a adaptem à linguagem cinematográfica. A vida no Japão precisa tornar-se muitíssimo mais cinematográfica”. (Kinema Junpô, 1933)

Filho único (1936)

É o primeiro filme falado de Ozu. E é curioso como isso se faz sentir em “Filho único”. É um longa de imagens flutuantes, onde a continuidade dos espaços permanece quase sempre vaga. Ozu ainda explora uma certa tensão entre o que está dentro e o que está fora do quadro, em especial os sons. Há também uma cena muita bonita em que mãe e filho vão ao cinema. Ele a leva para ver um filme falado estrangeiro: “Este é o filme falado”, diz o rapaz a senhora, que faz sim com a cabeça, mostra-se desinteressada, e acaba dormindo durante a sessão. Esta cena é incrível, funcional, por estar ali para transmitir uma informação que permite a narrativa seguir adiante (a mãe já não compreende mais o mundo do filho, a quem criou sozinha e com muita dificuldade), porém de uma delicadeza desconcertante. A seqüência final é uma das melhores de Ozu. A senhora caminha sozinha debaixo do sol. Em determinado momento ela senta. O plano geral a oprime. A duração do plano a oprime. Diante daquele plano geral e de todo aquele tempo, todo o esforço que ela teve de fazer para cuidar do filho...

Relato de um proprietário (1947)

Será o cinema do mestre japonês divinamente simples ou meramente simplista, primal ou elementar? Pergunta retórica, sei disso. Mas é sempre com muita surpresa que eu percebo a simplicidade elementar do cinema de Ozu. Gosto muito de uma cena em particular. O menino e a senhora vão a um estúdio para tirar uma foto. Os dois sorriem, de frente para o espectador. Agora, vemos a cena pela lenta da câmera fotográfica, que enxerga tudo de cabeça para baixo. O fotógrafo puxa a cordinha. Depois de uns instantes no escuro, vemos o estúdio. O menino e a senhora não estão mais ali. Essa ausência tem um estranho efeito contrário. O espectador só faz se lembrar da foto comemorativa, daqueles sorrisos, do menino e da senhora. Lembramos também de nossas próprias fotos comemorativas. Esse Ozu sabe das coisas. Vele reforçar que o “Relato” se passa, pouco depois da guerra. O Japão está em cacos. Em um primeiro momento, os personagens pensam que aquele menino é mais um órfão da guerra. A cena da foto fala diretamente a essa realidade. Este filme se transforma paulatinamente em uma espécie de comentário. Lembrei do último longa dirigido por Chaplin, “Monsieur Verdoux” (também de 1947). Chaplin parece ter feito esse filme em torno do discurso final, que fecha o filme. O mesmo me parece valer para o “Relato”. Ozu fez tudo caminhar, com a simplicidade de sempre, para o discurso final da senhora.

Um comentário:

Ligia disse...

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