domingo, julho 22, 2012

fausto**


“Fausto” é mais uma elegia do cineasta russo Alexander Sokurov, um conto melancólico, uma composição poética e musical consagrada aos tropeços do homem como condutor da história. O filme começa e somos já introduzidos ao universo absolutamente inconfundível do realizador: a recusa ao naturalismo, a força da paisagem na caracterização dos personagens, o talento plástico e de composição do quadro, a dilatação do tempo, as anamorfoses, as lentes deformantes, os variados filtros, o trabalho refinado de uma imagem mais expressionista.

A história do homem que vendeu a alma ao diabo é material farto para Sokurov. A princípio, “Fausto” é uma nova adaptação do celebrado poema de Goethe, sobre o ambicioso Dr. Fausto que, ávido por conhecimento, faz um pacto com o demônio para superar a técnica e o progresso de seu próprio tempo. Na interpretação de Sokurov, no entanto, Fausto (Johannes Zeiler) é absolutamente desprovido de qualquer característica romântica. Ele é cínico e utilitarista, disposto a passar por cima de qualquer um para alcançar seu objetivo. O tratamento dado ao personagem é cômico, beirando o pastelão, com toques escatológicos e diálogos intermináveis. Mefistófeles, conhecido no filme como o agiota (Anton Adasinskiy), diferentemente da maioria de suas incorporações literárias, não é um demônio encantador. Muito pelo contrário. É uma figura desajeitada e um tanto grotesca.

Com “Fausto”, Sokurov fecha sua tetralogia sobre o poder, formada ainda por “Moloch” (1999), sobre Hitler, “Taurus” (2001), sobre Lenin, e “O Sol” (2005), sobre o imperador japonês Hirohito. Dessa vez, estamos diante de um personagem ficcional que, diferente dos tiranos dos filmes anteriores, que se viam como representantes de Deus na Terra e são levados à desagradável constatação de que são apenas humanos, Fausto se transforma em algo “superior” já no fim do longa e sua jornada nos é apenas introduzida. Se os outros personagens eram confrontados com a morte, Fausto sai de quadro para enfim tornar-se o que sempre quis. Hitler, Lênin e Hiroito são enquadrados em um processo de desmistificação que, no caso dos dois primeiros, os retirava mais ou menos do contexto Histórico no qual estavam inseridos. Fausto, por sua vez, é como a história definitiva do Homem com H maiúsculo.

Isto porque os seres humanos no cinema de Sokurov jamais operam somente sob a dimensão do indivíduo. São sempre, sobretudo, reflexos da condição humana ou sintomas de um determinado fluxo histórico. Se para Goeth, Fausto seria a representação do humano em seu sentimento mais profundo de impotência diante da natureza e da inexorabilidade da morte, para o cineasta russo, o desejo insaciável do personagem por conhecimento e poder é como que a fonte de todo o mal do século XX, terreno comum sob qual surgiriam Hitler, Lênin e Hiroito. E se nos filmes anteriores havia uma certa piedade em relação ao humano, dessa vez a palavra mais adequada talvez seja mesmo cinismo. Resta então a Sokurov uma única salvação, uma busca também insaciável por transcendência através do cinema.  

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