Ainda em São Paulo, pouco antes do debate começar, um senhor
fez graça comigo e o mestre Inácio Araújo sobre uma cena de “Paixões que
Alucinam” (1964): enfermeiros seguram Johnny Barret, que, amarrado à cama, está
prestes a passar por uma sessão de choques elétricos. “Ora, se fosse de
verdade, os enfermeiros também receberiam as cargas elétricas. Será que o
Fuller não sabia disso?”. Eu acho curioso como uma pergunta simples e
inofensiva como esta é capaz, se levada a sério, de revelar particularidades
interessantes do cinema de Fuller, talvez do cinema em geral. Quer dizer, o
senhor do debate tem razão: os enfermeiros também levariam os choques – lembro também
que meu pai, professor e psicanalista, não conseguiu gostar de “Paixões que
Alucinam”; “A loucura dos personagens, as sessões de análise, é tudo muito
caricato”, disse ele. A impressão é a de que, para Fuller, estamos no plano dos
detalhes. Na verdade, não sei se é bem isso. Fuller é bem detalhista quando o
assunto é a trama, o personagem. Talvez seja melhor colocar desta forma: sua
preocupação maior não é exatamente uma certa fidelidade à realidade, mas a precisão
dramática. Ou seja: os enfermeiros segurarem o paciente, torna a cena ainda
mais verossímil e intensa. Em cinema, verossimilhança é questão dramática. O
próprio Fuller dizia ter alguns problemas coma encenação da guerra. Um
tiroteio, dizia ele, não durava mais do que dois minutos. As pessoas morrem
rápido. Em um filme, não há como narrar um confronto em menos de dois minutos.
Fuller tinha consciência disso.
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