RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA
É preciso estar de mal com a vida, ter o coração de pedra, ser ruim da cabeça ou doente do pé para resistir à cena de "Frances Ha" em que a protagonista sai correndo e dançando pelas ruas de Nova York ao som de "Modern Love", de David Bowie.
Não deixa de ser um golpe baixo (garota encantadora e desengonçada + clássico absoluto de Bowie).
Mas é um golpe baixo ansiosamente aguardado: aquele que vai libertar o cinema independente americano de anos de pretensão e cinismo para oferecer um momento de prazer fugaz, frugal.
"Frances Ha" é filho bastardo da primeira nouvelle vague (do Godard que disse que tudo de que se precisa para fazer um filme é uma arma e uma garota) com o mumblecore (o subgênero de baixo custo, diálogos naturalistas e personagens balbuciantes).
Não por acaso, "Frances Ha" tem na trilha músicas de Georges Delerue (o compositor "oficial" da nouvelle vague) e é escrito e protagonizado por Greta Gerwig, musa do mumblecore. Frances, sua personagem, se aproxima dos 30 anos assolada pela falta de perspectivas.
Ela é assistente em uma companhia de dança, mas não é boa o suficiente para virar bailarina.
Como uma moderna Cabíria (a esperançosa personagem de Giulietta Masina em "Noites de Cabíria", de Fellini), Frances enfrenta cada revés com otimismo incorrigível "" o mesmo que, diante de uma pequena vitória, a leva a dançar pelas ruas.
Com "Frances Ha", o diretor Noah Baumbach confirma o talento demonstrado em "A Lula e a Baleia" (2005) e se livra de certos maneirismos do passado.
De quebra, oferece um retrato preciso sobre aquela fase da vida em que não sabemos exatamente que rumo tomar, o que fazer da vida "" uma fase que, em alguns casos, teima em durar para sempre.
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