Vi tem poucos dias o último filme do mestre japonês, “Vidas ao vento”. É certamente um belíssimo filme, embora não tenha mexido comigo como fizeram “A viagem de Chihiro” (2001), “A princesa Mononoke” (1997), “Meu amigo Totoro” (1988). Gosto muito também de “Castelo Animado” (2004). Baseado no romance de fantasia homônimo da escritora britânica Diana Wynne Jones, a história se passa numa cidade fictícia em meio uma espécie de guerra civil, onde mágicos, bruxas e seus aprendizes co-existem com cidadãos normais. Sophie é uma menina de 18 anos, que ao ser transformada numa anciã pela Bruxa Má do Lixo terá que enfrentar uma série de obstáculos, refugiando-se no Castelo (o do título) alado do jovem e errante feiticeiro Howl.
A fonte ocidental (a primeira da filmografia de Miyasaki) e as inúmeras citações do filme à tradição literária infantil sugerem que este talvez seja seu trabalho mais distante da iconografia japonesa que tornou famosos seus trabalhos precedentes. É impressionante como o diretor coloca, à sua maneira, no mesmo caldeirão os irmãos Grimm, “Cinderela”, “Alice no país das maravilhas”, “A bela e a fera”, e até “Fausto”. Mas Miyasaki despe tais contos de quaisquer dicotomias entre o bem e o mal. Tais entidades não existem em separado no mundo do mestre japonês. E todos os movimentos dramáticos são frutos de acasos. A Bruxa Má do Lixo (que vende sua alma para o diabo para não envelhecer e perder seus poderes) entra por acaso na loja em que trabalha Sophie, que também não planejava se abrigar no Castelo de Howl (o equivalente do Haku de “A viagem de Chihiro”), que também não esperava se apaixonar pela menina. O que existem são ações, interesses e escolhas.
Os personagens são brilhantemente construídos. Diferentemente de suas irmãs, Sophie trabalha arduamente na chapelaria de sua madrasta. E nela é fácil perceber o famoso exemplo sartriano do garçom. A menina segue todo um ritual de conduta, comporta-se como deve se comportar uma boa vendedora de chapéus. Não é preciso observá-la muito tempo para perceber que ela está sempre, tristemente, representando. Quando, logo no início do filme, Sophie encontra Howl, estas alusões existencialistas tornam-se evidentes. A menina nega as escolhas que, de uma maneira ou de outra, sabemos estar presentes, prefere o conformismo e a respeitabilidade da ordem estabelecida e da tradição. Não é à toa que a Bruxa Má do Lixo entra na chapelaria e dispara: “Você é a coisa mais vulgar dessa loja”. Sinistro...
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