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A fonte ocidental (a primeira da filmografia de Miyasaki) e as inúmeras citações do filme à tradição literária infantil sugerem que este talvez seja seu trabalho mais distante da iconografia japonesa que tornou famosos seus trabalhos precedentes. É impressionante como o diretor coloca, à sua maneira, no mesmo caldeirão os irmãos Grimm, “Cinderela”, “Alice no país das maravilhas”, “A bela e a fera”, e até “Fausto”. Mas Miyasaki despe tais contos de quaisquer dicotomias entre o bem e o mal. Tais entidades não existem em separado no mundo do mestre japonês. E todos os movimentos dramáticos são frutos de acasos. A Bruxa Má do Lixo (que vende sua alma para o diabo para não envelhecer e perder seus poderes) entra por acaso na loja em que trabalha Sophie, que também não planejava se abrigar no Castelo de Howl (o equivalente do Haku de “A viagem de Chihiro”), que também não esperava se apaixonar pela menina. O que existem são ações, interesses e escolhas.
Os personagens são brilhantemente construídos. Diferentemente de suas irmãs, Sophie trabalha arduamente na chapelaria de sua madrasta. E nela é fácil perceber o famoso exemplo sartriano do garçom. A menina segue todo um ritual de conduta, comporta-se como deve se comportar uma boa vendedora de chapéus. Não é preciso observá-la muito tempo para perceber que ela está sempre, tristemente, representando. Quando, logo no início do filme, Sophie encontra Howl, estas alusões existencialistas tornam-se evidentes. A menina nega as escolhas que, de uma maneira ou de outra, sabemos estar presentes, prefere o conformismo e a respeitabilidade da ordem estabelecida e da tradição. Não é à toa que a Bruxa Má do Lixo entra na chapelaria e dispara: “Você é a coisa mais vulgar dessa loja”. Sinistro...
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