domingo, março 02, 2014

resnais

Alain Resnais se foi, e eu, trancando em casa, impedido de sair dela, recorri a algumas das imagens de “Hiroshima, meu amor” (1959) – talvez seja meu preferido ao lado de "Beijo na boca, não" (2003).  Na verdade, refiro-me a uma cena bem específica, aos olhares de um grupo de japoneses, logo no início do filme. Eles nos fitam ou desviam seus olhares, como se estivessem à nossa espera no leito de um hospital. Estão doentes, contaminados pelas radiações da bomba atômica que havia explodido por ali quatorze anos antes.  

Vemos logo em seguida imagens feitas pelo fotógrafo Iwasaki nas horas e nos dias que sucederam à explosão da bomba. Estas imagens foram logo sequestradas pelas autoridades americanas que ocuparam o arquipélago. Introduzidas pelos olhares dos japoneses, elas não haviam sido vistas por ninguém até o momento em que Resnais as colocou em seu filme. “Você não viu nada em Hiroshima”, diz insistentemente o texto de Marguerite Duras. “Sim, eu vi”, retruca a personagem de Emmanuelle Riva. Ela viu, graças aos olhares dos japoneses martirizados que nos interpelam frontalmente. 

Certamente, esta não era a primeira vez que um olhar era dirigido à câmera. O cinema mudo está repleto de momentos como este, quando o olhar cômico nos convida a rir dele ou com ele. Mesmo o cinema clássico hollywoodiano, que via nessa “olhar-câmera” um desvio, uma quebra, um erro, também já havia nos fitado, seja para, como em uma espécie de piscadela, ganhar nossa simpatia, seja para nos seduzir. O olhar dos japoneses de Hiroshima, contudo, é de uma intensidade diferente. Ele nos desafia, nos apequena. Esses “olhares-câmera” atestam que o cinema, os atores, os cineastas, os personagens, deviam mudar. Era preciso um novo cinema.  

Resnais, aliás, não estava sozinho. Ingmar Bergman e Roberto Rossellini haviam feito sequencias similares em “Monika” (1952) e “Europa 51” (1952), respectivamente.  Esses olhares estão na base da irrupção da Nouvelle Vague – aliás, é curioso notar que os primeiros filmes de François Truffaut (“Os incompreendidos”, 1959) e Jean-Luc Godard (“Acossado”, 1960), que dão o pontapé inicial da onda francesa, terminam com seus protagonistas nos fitando frontalmente. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Há uma cena em As Aventuras de Tom Jones, de Tony Richardson, em que o personagem-título (Albert Finney), não somente se vira para os espectadores, como lhes pergunta algo. Francisco Sobreira