sábado, maio 29, 2010

o nundo imaginário do dr. parnassus


Poucas filmografias são tão facilmente reconhecíveis como a de Terry Gilliam. Vejam só: uma carroça secular de teatro mambembe desfila pela Londres contemporânea. Um ator fala dos poderes do Doutor Parnassus. Aqueles que adentrarem o espelho que figura no meio do palco encontrarão um mundo onírico (entenderemos cenas mais tarde que este universo reflete o imaginário daquele que atravessa o espelho). Essas cenas iniciais seguem embaladas em ângulos estranhos, jogos de filtros de imagem e composições inusitadas. “O imaginário do Doutor Parnassus”, o próprio título do filme é puro Gilliam. Mais do que isso. Este seu mais novo longa (que quase foi cancelado depois da morte repentina de seu protagonista, Heath Ledger) vem igualmente recheado dos acertos e fracassos típicos deste cineasta bem particular.

Este é o primeiro roteiro original escrito por Gilliam (com a ajuda de Charles McKeown) desde “Brazil” (1985). E, como não poderia ser diferente, a narrativa prima pela sua natureza digressiva, pelos seus desvios fantasiosos. A primeira metade do longa mais parece um quebra-cabeça que não se encaixa, um disco arranhado que corre de repente do ponto A ao C, sem jamais passar pelo B. Gilliam nunca foi famoso pela economia narrativa. Seu cinema é exagerado e aparentemente indeciso quanto aos caminhos a percorrer. Os diálogos são reiterativos, insistentes no que concerne os contornos da história narrada.

“Doutor Parnassus”, no entanto, funciona muito melhor em sua segunda metade, quando os personagens passam a maior parte do tempo dentro do mundo imaginário que se encontra por detrás do espelho. O filme explora mais o humor particular do cineasta. Gilliam recorre ao desenho animado, lembrando as vinhetas que fazia para o seminal grupo de comédia britânico Monty Python. O filme pára, ganha a energia e o espírito anárquico dos melhores trabalhos do cineasta. Ao contrário de um Peter Jackson (“Um olhar do paraíso”), Gilliam não almeja nenhuma verossimilhança, não deseja um mundo de sonhos. É bem mais do que isso. E a imagem quase não suporta os delírios deste cineasta, que ultrapassam os limites materiais dos corpos. É aqui que Gilliam se sente em casa.

É preciso simpatizar com essa queda declarada pelo exagero e pelo humor esquisito de Gilliam. Ao longo do caminho, “Doutor Parnassus” sai dos trilhos, perde o ritmo e qualquer sentido. Mas Gilliam é bastante sedutor em sua fidelidade radical àquilo que lhe dá mais prazer.

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