quinta-feira, maio 20, 2010

o que resta do tempo


Elia Suleiman fecha sua trilogia (“Crônica de uma Desaparição” e “Intervenção divina”) sobre o conturbado cotidiano do povo palestino. Filmaço:

- A imagem é centrífuga. O quadro é visível. O quadro como um operador de uma certa vista. O quadro dá a ver e ao mesmo tempo enclausura nosso olhar. O quadro como uma janela.

- É o nosso olhar que dá vida ao plano. O plano é um espaço a ser preenchido como prática de uma arte da duração e das distâncias calculadas (entre os personagens, entre fundo e superfície, etc).

- Um filme de esquetes. O que as une é um sentimento de violência iminente, de repetição. A mise-en-scène é um ritmo sincopado assumido pela montagem, pela música, pelos atores, e ligado à intensidade emocional.

- De onde se vê aquilo que se vê? Do ponto de vista de quem a história é contada? A imagem é atribuível a um personagem ou ao filme? Ao mesmo tempo: o plano parece sempre e antes de tudo a encarnação de um ponto de vista. Um ponto no e do espaço. Fixo, ligeiramente móvel e aparentemente banal. Um ponto que qualquer um poderia ocupar. Estranho, não é? Nada separa aquele que filma do que é filmado.

- Na verdade, o mundo que se ordena a partir de Suleiman, prescinde dele. Como o Hulot de Jacques Tati, Suleiman não passa de uma testemunha. Ele é um homem qualquer. Sua psicologia se reduz a uma técnica do comportamento. O personagem não é um fim em si, mas um catalizador.

- Ao mesmo tempo em que constrói um mundo plausível e torna possível uma leitura literal da história, Suleiman não parece se preocupar com a coerência e a verossimilhança, tampouco desfila um encadeamento pleno, motivado, contínuo, de ações, ou aposta na construção psicológica dos personagens. Suleiman mimetiza o mundo de que trata em lugar de apenas descrevê-lo.

- Suleiman crê em uma noção diferente de história. Falar dela é transformá-la. Ele sabe disso e intervém com uma fina ironia e um humor desesperado. Realizar: converter em coisa o que por si mesmo não o é. E assim, suas imagens carregam uma sugestiva força política e muito carinho.

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