quarta-feira, maio 05, 2010

peeping tom

"Peeping Tom" (1960) é um filme perturbador. É incrível o jogo (com diversos graus de coincidência) que Michael Powell promove entre o olhar do espectador, o olhar da câmera e o olhar do personagem. É deste “entre”, deste jogo entre nossa identificação com o personagem e nossa identificação com o olhar da câmera que o cineasta gera variados e intensos efeitos de terror. “Eu sempre perco tudo o que fotografo”, murmura com tristeza o protagonista, uma fala que mesmo hoje, depois de inúmeras revisões, ainda me deixa todo arrepiado. Ao ver “Peeping Tom”, somos não apenas voyeur, como também assassinos. Vejam essa cena (com um adendo: o pai do protagonista, visto nos filmes projetados em preto e branco, é interpretado pelo próprio Michael Powell):



O filme de Michael Powell nos ajuda a pensar essa questão da identificação. O termo identificação encerrava até meados dos anos 60 uma noção psicológica bastante vaga. Através desse termo, justificava-se a experiência do espectador que compartilha, durante a projeção, as esperanças, os desejos, as angústias, os sentimentos deste ou daquele personagem. Será Jean-Louis Baudry, a propósito do que ele chamou de “aparato de base” no cinema, metaforizado pela câmera, quem distinguirá pela primeira vez o jogo de uma dupla identificação: a identificação primária, com o sujeito da visão, com a instância representante; e a identificação secundária, com o personagem, com o representado. Mais do que isso. A identificação primária seria a base e a condição da identificação secundária.


Isso causou tremendo alvoroço que tomou conta dos estudos sobre a sétima arte no final dos anos 60 e por quase toda a década seguinte. A identificação primária faz o espectador se identificar com o seu próprio olhar e se sentir como foco da representação, como sujeito privilegiado, central e transcendental da visão. Esse lugar central e único, adquirido de antemão, sem qualquer esforço de motricidade, é o lugar de Deus, de sujeito que tudo vê. O cinema, sob sua forma dominante, manifesta uma intenção de constituir o indivíduo no sujeito centrado do idealismo. Ou seja: no plano ideológico, o cinema está inscrito em uma longa história cultural. Jean Louis Comolli, outro importante crítico e ensaísta que se debruçou sobre esse tema, é quem estava certo quando esbravejou que antes de ser uma invenção científica, o cinema preenchia uma demanda ideológica.

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