domingo, junho 30, 2013

a segunda guerra civil ***

Eu ainda não tinha visto este filme de Joe Dante. O longa, na verdade, faz parte de uma espécie de trilogia da guerra, iniciado em “Matinee” (1993) e encerrada em “Pequenos Guerreiros” (1998). A trama começa quando o governador de Idaho (Beau Bridges) decide fechar as fronteiras de seu estado a todos os imigrantes estrangeiros, impedindo, sobretudo, a entrada de um grupo de órfãos paquistaneses. O presidente (Phil Hartman, em estado de graça), preocupado com a possível reeleição e aconselhado por um poderoso lobista (James Coburn), acaba intervindo. Em meio a tudo isso, uma estação de TV se desmembra em várias frentes, acompanhando o arrefecimento da crise.

É bem curioso o curto-circuito que Dante promove em relação à noção de “popular”. Quer dizer: não há como ver um filme destes e não sentir uma proximidade com o mundo, digamos, pop. Mais do que isso: Dante me parece sempre atrás de um público, alimentado por uma vontade de diálogo. Ele não tem nenhuma vergonha de parecer sentimentalóide, melodramático, ou de mau gosto. Ao contrário, Dante conjuga isso com um certo refinamento estético e político. “A Segunda Guerra Civil” é um filme sobre o consumo da guerra, em que a política é nada mais do que um misto de ações e ausências deliberadas.  

O relevo está sempre no elemento humano - é preciso sublinhar também a desenvoltura virtuosa com que Dante trabalha seu elenco numeroso. As situações são absurdas, porém absolutamente lógicas. Dante nos leva da comédia à tragédia, passando pela farsa. Ao fim, resta uma crítica à cultura americana feita de dentro. Dante faz parte daquilo que critica. O filme termina com a bandeira americana balançando ao vento, enquanto um repórter em off nos fala do recorde de audiência do episódio final de uma sitcom americana (que acabou influenciando a disputa entre o governador e o presidente). Um pouco antes, o personagem de James Earl Jones discursa sobre como nós (americanos? humanos?) somos como uma obra de arte inacabada, um work in progress; que talvez possamos um dia alcançar nosso potencial, mas que, no momento, ainda pintamos com sangue.

quinta-feira, junho 27, 2013

andre de toth

Descobrir um cineasta é sempre algo instigante. Aconteceu comigo semana passada, quando vi pela primeira vez três filmes do húngaro radicado nos EUA Andre De Toth: “Ramrod” (1947), “Pitfall” (1948) e “Man in the Saddle” (1951). De Toth é um cineasta de estilo e visão de mundo escorregadios - especialmente no que concerne ao cinema hollywoodiano clássico. Dirigiu muitos noirs e westerns, absolutamente diferentes. Na verdade, me parece que De Toth não faz muita diferença entre os gêneros. O que se privilegia é uma certa noção de precisão dramática, uma atenção incomum (a estes gêneros) a detalhes e gestos dos personagens, e uma preocupação primordial com a constituição de uma atmosfera.


O cinema de De Toth me parece obsecado por complexos efeitos causados pela violência, por uma certa noção de traição, não apenas doméstica, embora ela também esteja presente, mas de valores - apesar de terem muito em comum, De Toth alimenta um tom predominantemente humanista que contrasta com a frieza de um Fritz Lang. Esse algo tortuoso, tenso, quase palpável, que marca o mundo cinematográfico de De Toth, se conjuga com uma certa lentidão ou leveza, com uma espécie de mudez que define na maioria das vezes os protagonistas de seus filmes. Essa equação me espanta.

Os filmes desfilam uma continuidade inquebrantável, recheada de detalhes inventivos, de transições curiosas entre os planos. Em “Ramrod”, por exemplo, quando Connie convence Bill a espantar seu próprio gado, seu braço erguido conecta-se em fade com o gado correndo a esmo pelo campo. Um momento passional e traiçoeiro se dissolve em violência crua. Este filme em particular é marcado por outras transições mais sutis, recheadas por movimentos de câmera a unir o dentro e o fora, o externo e o interno, como se tudo fizesse parte de uma mesma unidade, decaída.

Martin Scorsese gosta de chamar De Toth de "contrabandista", um diretor que importou ideias incomuns ao âmbito do cinema clássico de Hollywood. Ele tem toda razão. “Pitfall”, por exemplo, é um noir extremamente original sobre, pasmem, os efeitos provocados pela vida em família, na família americana dos anos 50. O filme faz uso de tipos convencionais (a femme fatale, o vilão grande e bruto, a mulher inocente e ofendida e o anti-herói), embora com o passar dos minutos eles se transformem em formas mais complexas, menos identificáveis. De Toth dá espaço a cada um de seus personagens, que, ao longo do filme, tentam explicar e justificar seus medos, desejos e ações. E será de uma equação entre estas justificativas, medos, desejos e ações que “Pitfall” alcançará seu desfecho. Desfechos ambíguos, sempre. Não exatamente felizes. Não exatamente tristes. Seja em “Pitfall”, “Ramrod” ou “Man in the Saddle”.    

terça-feira, junho 25, 2013

rivette no ccbb

25/06 – Terça-feira

15h – Céline e Julie vão de barco (Céline et Julie vont en bateau, 1974, 193’)
19h – Sessão de abertura: Paris nos pertence (Paris nous appartient, 1961, 136’)

26/06 – Quarta-feira

14h – Cineastas, do nosso tempo: Jean Renoir o patrão 1a parte: em busca do relativo  (Cinéastes, de notre temps: Jean Renoir le patron,  La recherche du relative, 1967, 94’)
16h - Merry-go-round (1981, 160’)
19h30 – Não toque no machado (Ne touchez pas la hache, 2007, 137’)

27/06 – Quinta-feira

14h - Cineastas, do nosso tempo: Jean Renoir o patrão, a direção de atores (Cinéastes, de notre temps: Jean Renoir le patron, La direction d'acteur, 1967, 95’)
16h - Paris nos pertence (Paris nous appartient, 1961, 136’)
19h – O amor por terra (L’amour par terre, 1984, 125’)

28/06 – Sexta-feira

14h - Cineastas, do nosso tempo: Jean Renoir le patron, a regra e a exceção (Cinéastes, de notre temps: Jean Renoir le patron: La règle et l'exception, 1967, 95’)
16h - Noroeste (Noroît, 1976, 145’)
19h - Um passeio por Paris (Le pont du nord, 1981, 129’)

29/06 – Sábado

16h – Joana, a virgem I – As batalhas (Jeanne, la pucelle: Les batailles, 1994, 160’)
19h – Joana, a virgem II – As prisões (Jeanne, la pucelle: Les batailles, 1994, 176’)

30/06 – Domingo

17h – Out 1: Espectro (Out 1: Spectre, 1974, 225’)

01/07 – Segunda-feira

14h - Não toque no machado (Ne touchez pas la hache, 2007, 137’)
16h30 - Duelle: uma quarentena (Duelle: une quarentaine, 1976, 121’)
19h - Defesa secreta (Secret défense, 1998, 170’)

02/07 – Terça-feira 

Não há sessões

03/07 – Quarta-feira

14h - A história de Marie e Julien (Histoire de Marie et Julien, 2003, 150’)
17h - Céline e Julie vão de barco (Céline et Julie vont en bateau, 1974, 193’)

04/07 – Quinta-feira

14h - Defesa secreta (Secret défense, 1998, 170’)
17h - O truque do pastor (Le coup du berger, 1956, 28’) + 36 vistas do monte Saint Loup (36 vues du mont Saint Loup, 2009, 84’)
19h - A religiosa (La religieuse, 1966, 135’)

05/07 – Sexta-feira

14h - Um passeio por Paris (Le pont du nord, 1981, 129’)
16h30 - Merry-go-round (1981, 160’)
19h30 - Duelle: uma quarentena (Duelle: une quarentaine, 1976, 121’)

06/07 – Sábado

16h - Noroeste (Noroît, 1976, 145’)
19h - O truque do pastor (Le coup du berger, 1956, 28’) + 36 vistas do monte Saint Loup (36 vues du mont Saint Loup, 2009, 84’)

07/07 – Domingo

17h - Quem sabe (Va savoir, 2001, 220’)

08/07 – Segunda-feira

16h - A história de Marie e Julien (Histoire de Marie et Julien, 2003, 150’)
19h - O morro dos ventos uivantes (Hurlevent, 1985, 130’)

09/07 – Terça-feira

Não há sessões

10/07 – Quarta-feira

14h - O bando das quatro (La bande des quatre, 1989, 160’)
17h - A bela intrigante (La belle noiseuse, 1991, 238’)

11/07 – Quinta-feira

14h - Jacques Rivette, o vigilante, dir. Claire Denis (Jacques Rivette, le veilleur, 1990, 124’)
16h30 - O morro dos ventos uivantes (Hurlevent, 1985, 130’)
19h30 - Debate: Jacques Rivette – A lei, o segredo e o perigo (com a participação dos curadores Luiz Carlos Oliveira Jr e Francis Vogner dos Reis e do crítico de cinema Ruy Gardnier)

12/07 – Sexta-feira

14h - Amor Louco (L’amour fou, 1969, 252’)
19h - Paris no verão (Haut bas fragile, 1995, 169’)

13/07 – Sábado

16h - O bando das quatro (La bande des quatre, 1989, 160’)

14/07 – Domingo

16h - A bela intrigante (La belle noiseuse, 1991, 238’)

15/07 – Segunda-feira

14h - Amor Louco (L’amour fou, 1969, 252’)
18h30 - Paris no verão (Haut bas fragile, 1995, 169’)

sexta-feira, junho 21, 2013

mam e ims

Estranho falar sobre qualquer outra coisa neste momento.

Amanhã, contudo, passa no MAM um dos meus filmes preferidos: “Ladrões de Cinema” (1977), de Fernando Cony Campos.

Neste mesmo dia e horário, o IMS exibe cópia restaurada do majestoso “Eu acuso” (J’Accuse, 1919), de Abel Gance.

No MAM ainda tem neste fim de semana “O Signo do Caos” e “Carnaval Atlântida”.

Vejam abaixo:

MAM

sab 22

16h – Ladrões de cinema de Fernando Cony Campos. Brasil, 1977. Com Milton Gonçalves, Antônio Pitanga, Wilson Grey. 127’.

18h – Carmaval Atlântida de José Carlos Burle. Brasil, 1952. Com Oscarito, Grande Otelo, Eliana. 95’.

dom 23

16h – Amenic – Entre o discurso e a prática de Fernando Silva. Brasil, 1984. Com Joel Barcellos, Paula Gaitán, Aldine Müller. 95’.

18h – O Signo do Caos de Rogério Sganzerla. Brasil, 2005. Com Helena Ignez, Otávio Terceiro, Gionava Gold. 80’.

IMS

sab 22

16h00 - Eu acuso (J’Accuse), de Abel Gance (França, 1919. 166’)

dom 23

16h00 - Eu acuso (J’Accuse), de Abel Gance (França, 1919. 166’)

quarta-feira, junho 19, 2013

repaginada

Dei uma revisada nos links, retirando alguns, acrescentando outros. Vale a vasculhada. E enquanto o próximo post não chega:

segunda-feira, junho 17, 2013

cinemaison

Hoje, no Cinemaison, sessão dupla de de Abdellatif Kechich. Às 18h, passa "A esquiva" (2003), e, em seguida, às 20h, "A culpa de Voltaire" (2001).

sábado, junho 15, 2013

links

- Texto apaixonado de Ignatiy Vishnevetsky sobre o falecido Roger Ebert

- Luc Moullet sobre Cecil B. Demille

- Gilberto Perez sobre Dovzhenko

- Uma longa e recente entrevista com David Cronenberg

- Steven Shaviro sobre o novo no cinema

- Dossiê sobre Allan Dwan

- Kent Jones sobre Ford, westerns e Tarantino

- Serge Daney e o maneirismo, em inglês

- Uma conversa entre Akira Kurosawa e Hayao Miyazaki. A transcrição está em inglês

- Nova edição da La Furia Umana

- São ao todo seis cartas abertas a John McTiernan: 1, 2, 3, 4, 5, 6

- Gabe Klinger dirigi um curioso "Cinéma de notre temps" sobre James Benning e Richard Linklater. Vejam o trailer:


quarta-feira, junho 12, 2013

police ***

“Police” (1985) é um Pialat diferente. Um exercício de gênero. Um policial que se recusa a atender as expectativas geradas pela trama, mas sem jamais abandonar algumas imagens e viradas que marcam o gênero. Talvez seja o filme de Pialat onde um início, um meio e um fim se fazem sentir de maneira mais evidente. Afinal, acompanhamos uma investigação policial. Algumas informações e justificativas são necessárias. Às vezes me parece que o filme se ressente um pouco disso, embora a montagem de Pialat, mais comedida do que em seus outros filmes, continue apostando nas elipses, na ausência dos pontos finais. Isso faz com que o desenvolvimento da trama pareça por vezes algo aleatório. Senti-me perdido em alguns momentos, como quando, por exemplo, surge o irmão Noria (Sophie Marceau), que, aliás, sai do filme como entrou, de repente. O tempo é algo difícil de mensurar. Se em um primeiro momento, suspeitamos uma sequencia está em continuidade temporal com a seguinte, em um segundo, cenas mais tarde, percebemos que se passaram meses. O que é incrível é que, ao assumir estes buracos, estas ausências, “Police” nos propõe outra coisa. Eu, por exemplo, comecei a pensar na quantidade de informações desnecessárias de a grande maioria dos filmes policiais, ou thrilers, vomitam em cima da gente. Os atores estão, como sempre em Pialat, incríveis. Vivem personagens extremamente carismáticos que agem de maneira inesperada, inexplicável, condenável. Gosto bastante da primeira cena do filme. Um interrogatório. Lá pelas tantas, Mangin (Gérard Depardieu) vai buscar café em uma máquina no fundo da sala. A máquina faz um barulho estrondoso. O interrogatório é interrompido. A cena, contudo, continua. Qualquer técnico de som, provavelmente até mesmo o de Pialat, reclamaria horrores do barulho. Pialat o integra a cena, como uma espécie de agente, de força, a intensificar, a sublinhar o embate que se desenrola naquele espaço-tempo.   

domingo, junho 09, 2013

loulou ****

Estava em Belo Horizonte esta semana. Tudo por causa de Maurice Pialat, um dos meus diretores favoritos. O Cine Humberto Mauro abriga uma mostra completa. Já havia visto todos os seus filmes, embora poucos no cinema. Cheguei de ônibus, e, da rodoviária, segui direto para o cinema, para ver “Loulou” (1980), o quinto longa de Pialat. Ao longo da sessão uma palavra ganhou corpo: intimidade. Era algo que os planos carregavam, produziam, disseminavam. 

Acompanhamos o desenrolar de um relacionamento, embora sem amarras de um início, um meio e um fim, desprovido de viradas dramáticas ou pontos de exclamação. As ações e os personagens afirmam comportamentos, personalidades, humores. É difícil falar sobre eles. Vemos cenas que para a maioria dos cineastas seria de pouco interesse, como caminhadas, conversas no balcão de um café, personagens ouvindo música ou vendo TV, etc. E mesmo as cenas teoricamente mais "agitadas", como a de um roubo, não são filmadas como se o fossem. Nós, espectadores, corremos atrás do filme, de seus personagens. Tornamo-nos íntimos. Uma intimidade sem conteúdo. Uma intimidade da ordem da experiência mais física, concreta. Entende? Uma intimidade que não se conjuga com a ideia de flagrante. Não se trata disto, ou pelo menos não exatamente. Intimidade tem a ver com uma montagem que se esforça para não concluir seus planos, com uma duração que nos chama mais pra perto, com uma certa noção de câmera viva, como um olhar, como um exercício do olhar. Por vezes, e como isso é curioso, os atores parecem olhar para detrás da câmera, como se esperassem que o diretor determinasse o fim da tomada. Convido-os a perceber estes pequenos momentos. Verdadeiros curto-circuitos, eles não quebram a quarta parece, não desmerecem o realismo aparentemente improvisacional das atuações e direção, não quebram o pacto de confiança que alimentamos com os personagens. Ao contrário.

Além disso, Isabelle Huppert, em seus pouco menos de trinta anos, era já uma beleza. 

terça-feira, junho 04, 2013

Algumas preciosidades no canal de YouTube de José Luiz Soares Júnior.

Este é outro canal que merece visitas.

E, por fim, "Horror Palace Hotel" (1979), do Jairo Ferreira:

sábado, junho 01, 2013

o que se move ***

Gostei bastante deste filme - apesar da péssima projeção digital da vergonhosa sala 2 do Estação. É possível perceber o valor dado a uma certa ideia de presença do mundo, à noção de que as significações em uma narrativa devem surgir como “expressão natural das coisas”. Caetano Gotardo, contudo, se afirma na necessidade de uma mediação formalista. É ela que permite que o real se torne elemento de sua própria fabulação. Eu me lembro da famosa citação de Jean Mitry, para quem um filme era um mundo organizado em narração.


O Inácio Araújo disse que era preciso seguir atrás de “O que se move”. Esta ideia me agrada bastante. Gotardo está sempre atrás de um certo estado, de um certo plano, onde os sentimentos esforçam-se em uma tentativa de ganhar nome. “O que se move” é ele mesmo esta busca. É curioso: ver filmes é por vezes como conhecer uma pessoa. Isto não diz respeito apenas a figura do autor, embora a presença sentida de um cineasta seja na minha opinião, o fundamento, de qualquer experiência estética. “O que se move” é uma experiência estética, a nos empurrar para o plano pantanoso, todo ele regrado, porém de possibilidade infinitas, da nossa faculdade de sentir. O que este filme nos proporciona é uma certa sensibilidade para com a realidade. Uma sensibilidade, devo dizer, que se avizinha a minha: os planos sobre o tempo, o bebê e o presente, o canto... Bom, a questão da tragédia me incomoda um pouco. Não sei ainda muito bem dizer por quê. Queria ver o filme novamente.