"Filme demência" (1986), um dos grandes longas de Carlão Reichenbach, inteiro no Youtube:
sexta-feira, agosto 30, 2013
quarta-feira, agosto 28, 2013
chamada a cobrar ***
Estava
revendo com um enorme prazer algumas cenas de “Onde andará Dulce Veiga” (2008),
de Guilherme de Almeida Prado. Lembro que já havia gostado bastante deste filme
quando o vi pela primeira vez. Lembro inclusive de uma discussão que tive na
época com amigo. Ele rebatia o meu apreço pelo longa discorrendo sobre um certo
exagero, um tom desmedido, uma espécie de artificialismo apoteótico... Nada
disso deixava de ser verdade. Eu concordava com meu amigo. O que me sentia
incapacitado a fazer era enxergar estes pontos como fraquezas ou deficiências. Era
pra mim impossível separar a extravagância por vezes descabida do resto. Quer dizer:
aquilo diz intimamente respeito ao filme. É o que o torna diferente.
A
lembrança desta conversa me ajudou na experiência de ver “Chamada a cobrar”, o
novo filme de Anna Muylaert. Algo me incomodava neste filme. A simplicidade do
registro muitas vezes me parecia preguiça. Um certo artificialismo,
especialmente no som, também entrava mal no ouvido. As atuações um tanto
canastras. Eu individualizava estes elementos e sentia-me incomodado. Aos poucos,
contudo, o filme foi me ganhando. Havia uma espécie de ascese rolando, um voto
de simplicidade. De repente, “Chamada a cobrar” me falava de tantos assuntos.
Muylaerte é uma cineasta diferente. Seria
um erro, uma imprecisão, insistir em uma análise interessada em singularizar algumas
opções ou procedimentos? Não sei. O fato é que por vezes aquilo que
inicialmente nos parece fraqueza é na verdade de onde o filme tira sua força,
sua singularidade.
Sobre
“Chamada a cobrar”, segue a crítica de Inácio Araújo:
INÁCIO
ARAUJO
CRÍTICO
DA FOLHA
Um
filme pode ser definido, em boa medida, como acúmulo de detalhes. Em
"Chamada a Cobrar", eles estão presentes, às vezes de maneira quase
ostensiva.
Enquanto
três irmãs se engalfinham, surge a imagem do cão da família, indiferente àquela
cena banal. A indiferença é uma ideia constante no filme de Anna Muylaert.
Enquanto
Clarinha, senhora de meia-idade, executa atos desesperados, como comprar todos
os bichos de pelúcia de uma loja de estrada, as pessoas observam-na como um ser
exótico ou de quem se pode tirar vantagem.
Na
verdade, Clarinha recebeu uma chamada telefônica a cobrar, dessas que há algum
tempo anunciavam um sequestro. Um falso sequestro.
O
que Muylaert observa a partir desse fato mínimo --e de um orçamento mínimo:
quase todo o filme se faz de uma atriz, Beth Dorgan, que interpreta Clarinha, e
uma voz ao telefone, a do falso sequestrador-- é admirável.
Existe,
por um lado, a alienação da mulher burguesa, instalada em sua residência
confortável, assistida por uma empregada doméstica com alma de escrava. Seu mundo
restringe-se à família.
Disso
nos dá prova outro detalhe precioso. Quando alguém lhe pergunta onde está, ela
responde, hesitante: "Realengo...", com a voz incerta de quem nunca
sequer imaginou que tal lugar existisse.
Visto
por Muylaert, portanto, o episódio não é apenas um fato policial ou mesmo
social (envolvendo o ressentimento do falso sequestrador).
A
solidão da mulher é outro aspecto decisivo do drama: a solidão não é só em face
do homem que lhe passa ordens pelo celular. É a solidão que a coloca em posição
submissa. É o que a impede de perceber incoerências e inverossimilhanças nas
falas do bandido.
Esse
estranho fenômeno que foram os falsos sequestros ressurge aqui a partir de
elementos mínimos, onde a observação do registro social não amesquinha o
humano.
Clarinha
não é só uma rica ociosa nem o bandido é só um malfeitor: estamos diante de uma
construção minuciosa.
É
disso que se faz o filme, de construção, assim como o falso sequestrador, que
constrói sua cena, servindo-se de elementos sonoros para dominar sua vítima e
criar uma sugestiva inversão na ordem de classes sociais (quem dá ordens, quem
obedece).
Os
diálogos entre Clarinha e o bandido são claros quanto à maneira pela qual o
sequestrador passa a controlar mente e coração de sua vítima. São também uma
preciosa peça a nos falar sobre o miserável abismo não apenas de classe social,
mas antes de tudo cultural que o Brasil soube tão bem produzir para, ali,
melhor plantar duradouras desgraças.
domingo, agosto 25, 2013
quinta-feira, agosto 22, 2013
filmes
Dois clássicos brasileiros hoje:
- às 18h30, no MAM, "A idade da terra" (1980), de Glauber Rocha, será exibido com a presença do montador do filme, Ricardo Miranda.
- às 20h, no IMA, passa "Vidas secas" (1963), de Nelson Pereira dos Santos.
E, na segunda, é noite de Bruno Dumont no Cinemaison: às 18h, será exibido "A vida de Jesus" (1997), e, às 20h, é a vez de "Flandres" (2006).
- às 18h30, no MAM, "A idade da terra" (1980), de Glauber Rocha, será exibido com a presença do montador do filme, Ricardo Miranda.
- às 20h, no IMA, passa "Vidas secas" (1963), de Nelson Pereira dos Santos.
E, na segunda, é noite de Bruno Dumont no Cinemaison: às 18h, será exibido "A vida de Jesus" (1997), e, às 20h, é a vez de "Flandres" (2006).
terça-feira, agosto 20, 2013
na neblina ***
Eu não tinha gostado muito de “Minha felicidade” (2010), o primeiro filme de Sergei Loznitsa. Eram muitas as razões: um certo fatalismo, o personagem envolto num destino incontornável, alguns cacoetes de estilo, um esforço visível de emulações de outros filmes/cineastas, etc. O que não quer dizer que “Minha felicidade” não tivesse seus momentos. Loznitsa é um documentarista de origem, e sua estreia na ficção carrega uma atenção incomum às locações e cenários. Universos e imaginários são constituídos. É curioso como tanto “Minha felicidade” quanto este mais novo “Na neblina” trazem consigo um desejo norteador, uma certa âncora e ou bússola, que diz respeito a um imaginário russo que remonta à Segunda Guerra Mundial. “Na neblina” é um vislumbre da ocupação nazista na Bielorússia, uma espécie de lenta meditação sobre moralidade e mortalidade. O forte de Loznitsa permanece: seu trabalho faz espaços, elementos de cena, os corpos, falarem. Falarem algo anterior ao filme. É que vejo na primeira sequência do filme. Lembro de Bergson, que dizia, em Matéria e memória, que a fotografia, se há fotografia, já havia sido tirada, no próprio interior das coisas. Além disso, embora no fim a neblina tome conta da imagem, Loznitsa demonstra desta vez muita compaixão por seus personagens.
sábado, agosto 17, 2013
inquietos ***
“Inquietos”
anda passando na HBO. Acabei revendo algumas partes. A princípio, o filme
estaria mais para “Gênio Indomável” do que para “Elefante” (2003). Mas é
preciso cuidado. O jovem como mito nunca esteve muito longe do cinema de Van
Sant. Em “Inquietos”, ele se aproxima mais uma vez deste universo com muito
carinho e uma certa dose de fetichismo. Como ocorre em muitos de seus filmes, o
figurino patenteia os personagens (Annabel é uma curiosa citação-homenagem a
Jean Seberg e à Nouvelle vague), sempre em relação dissonante com as regras que
a sociedade nos impõe. “Inquietos” é uma espécie de balada cinematográfica. Van
Sant caminha entre o romance teen e o filme de doença terminal, gêneros com os
quais já possui uma certa afinidade, aposta em um ambiente encantador e cria
pequenos momentos de excentricidade mágica.
Se
em “Encontrando Forrester” e “Gênio indomável” havia um enredo de
auto-superação sob a orientação de um adulto, e em “Elefante”, entrava em cena
uma espécie de rito de passagem, mas uma passagem de energias, corpos e nuvens,
“Inquietos” fica no meio do caminho. O que une os trabalhos mais radicais de
Van Sant (de “Gerry” a “Paranoid Park”) é uma mise-en-scène imersiva que se
abre para um fluxo sensório temporal e que se sobrepõem à narrativa. São filmes
que caminham entre o absolutamente abstrato e um fiapo de história.
“Inquietos”, ao contrário, parece muitas vezes se ressentir da necessidade de
contar uma história. Os personagens ganham psicologia e suas motivações nos são
reveladas, camada por camada, em cenas por demais funcionais (como quando descobrimos
o que aconteceu com os pais de Enoch).
Ainda
assim, Van Sant parece por vezes querer expressar seus personagens por meio da
estilização e do desenho de som, nos oferece momentos dilatados e absolutamente
abertos e engajados, procurando passar um sentimento de angústia, descoberta e
desespero, através de uma linguagem que beira o poético, sem muito preciosismo.
Talvez a grande chave deste filme, como bem sublinhou Eduardo Valente lá na
Cinética, seja mesmo Hiroshi, o fantasma camarada de Enoch. Van Sant dá a este
personagem um tempo e uma importância que por vezes beira o ridículo, enquanto
noutras confere uma força, um desejo comovente de se aproximar e compreender o
universo retratado.
quinta-feira, agosto 15, 2013
terça-feira, agosto 13, 2013
alec baldwin e thom york
Alec Baldwin tem um programa de rádio/online: "Here's the Thing". Neste, ele conversa com Thom York:
domingo, agosto 11, 2013
links
- Entrevista com Raya Martin:
- O X do problema, segundo Inácio Araújo
- Jonathan Rosenbaum sobre “Irma Vep” (1996), de Olivier Assayas
- Boris Karloff e sua receita de guacamole
- Dois númerous da Comparative Cinema
- Textinho sobre um grande filme, “The swimmer” (1968), de Frank Perry
- RaulArthuso sobre Bernardet e as comédias
- Jonathan Rosenbaum apresenta “Greed” (1924), de Erich von Stroheim:
sexta-feira, agosto 09, 2013
crazy horse ***
Ainda revendo algumas cenas de “Crazy Horse” (2011). Frederick Wiseman estreou no cinema com “Titicut follies” (1967), sobre o dia-a-dia do manicômio judiciário de Bridgewater, em Massachusets, afirmando uma postura ainda mais radical dentro do cinema direto americano, buscando diminuir ao máximo a interferência da equipe e da câmera sobre o meio documentado e mantendo um forte controle narrativo através da montagem. De lá para cá, já são mais de 30 documentários nos quais Wiseman registra as relações entre o espaço, o tempo, os corpos, as leis e os poderes institucionais: da prisão à escola, da polícia ao laboratório científico, do zoológico à moda. Um projeto ambicioso, perseverante e paciente de cartografia das instituições americanas. Um projeto no qual Wiseman investe toda uma vida.
“Crazy Horse” se divide, de um lado, nos movimentos burocráticos e questões administrativo-financeiras da casa e do novo espetáculo, e, do outro, no trabalho das dançarinas, com ênfase nos ensaios. O foco de Wiseman esta na verdade justamente em uma noção de processo. Assistimos a reuniões, momentos de introspecção e reflexão, entrevistas (aproveitando a presença de equipes de televisão que passam pela casa), e, sobretudo, os ensaios. Wiseman registra o trabalho das dançarinas em takes longos e faz escolhas cuidadosas de encenação para potencializar a ação e o erotismo de alguns movimentos. É curioso: as imagens dos ensaios não nos chegam carregadas de algum peso simbólico ou de uma missão discursiva; elas valem por si mesmas.
A casa parisiense, como é de costume no cinema de Wiseman, é visto como uma espécie de instituição, especialmente no que diz respeito às diversas disputas de poder que a compõe. Contudo, talvez o grande tema deste documentário seja o desejo. A projeção do desejo sempre esteve em jogo no cinema. Wiseman ilustra o conceito e seu funcionamento. Aposta também em uma longa desconstrução, com mais de 2 horas de ensaios técnicos dos números criados por Philippe Decouflé. Este, aliás, aparece a todo mundo discutindo o termo desejo. Wiseman não individualiza as dançarinas, quase sempre fragmentadas em bundas, pernas, seios, braços... As apresentações de dança nos convencem certamente de que este é um cabaré diferente. Wiseman e seu operador de câmera ajudam bastante, usando uma grande variedade de géis e filtros, e aproveitando a iluminação do próprio espetáculo. Por vezes, a impressão é a de estarmos vendo uma espécie de caleidoscópio para maiores. É como se os corpos das bailarinas fossem elementos cinematográficos.
quarta-feira, agosto 07, 2013
esquinas no now
O NOW da NET disponibilizou os seis primeiros episódios da primeira temporada do "Esquinas" (Canal Brasil) em HD. Vejam por lá: Wagner Moura em uma bateria de entrevista; Roberto Jefferson e a retórica; o trabalho da equipe da rádio Globo no final do campeonato carioca; um designer cujo sonho maior é construir uma réplica de Versalhes em massinha...
segunda-feira, agosto 05, 2013
zatoichi ***
Outro dia, me toquei que ainda não vi os dois últimos Kitanos: “Outrage” 1 e 2. Se não me falha a memória nenhum dos dois passou no Festival do Rio...
Acabei, contudo, revendo “Zatoichi” (2003). Grande filme. Divertidíssimo. Sempre se falou de como Kitano é capaz de ser violento e sensível ao mesmo tempo, mas, em geral, esquecemos-nos de mencionar o quanto ele pode ser engraçado. Em “Zatoichi”, Kitano é um samurai cego que vive do jogo e de prestar serviços como massagista. Integrante do imaginário popular japonês, Zatoichi já foi tema de mais de 20 filmes entre 1962 e 1989, todos protagonizados pelo herói nacional Shintaro Katsu. A versão de Kitano é inspirada nos contos de Kan Shimozawa e traz o andarilho recém chegado a uma cidadezinha controlada por um clã de malfeitores. Lá ele encontra abrigo na casa de uma jovem e solitária senhora, e acaba ficando amigo do sobrinho azarado dela (brilhantemente interpretado por Guadalcanal Taka) e de um casal de irmãos viajantes em busca de vingança pelo assassinato dos pais.
A história, no entanto, pouco importa. O longa começa e logo estabelece uma relação com o spaghetti western (o personagem kamikaze e andarilho e o cenário lúdico em que a violência explode) e com os filmes de gangster americanos (as violentas ações da gangue Ginzo). Aliás, assim como Sergio Leone fez com o western, Kitano não roda uma aventura de samurais, mas um filme sobre a mitologia de um gênero cinematográfico. O Ronin mercenário, a honra como sentimento máximo, a aldeia indefesa, o herói que tira da deficiência a sua força, os cenários líricos... A comicidade é o que Kitano acrescenta. E assim, ao lado dos tradicionais arquétipos dos filmes de samurai japoneses, o cineasta adiciona um mendigo bêbado ali, uma gueixa transformista aqui, um metrosexual acolá, um menino com problemas mentais que só pensa em se tornar samurai, viciados em jogo, uma apresentação musical à la Stomp, jatos de hemoglobina do tipo “Monty Phyton e o cálice sagrado”... De repente, no meio disso tudo, eis que um bandido, com pavor da habilidade de Zatoichi, saca uma arma de fogo!
Enfim, “Zatoichi” é um filme híbrido e extravagante.
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