sexta-feira, agosto 09, 2013

crazy horse ***

Ainda revendo algumas cenas de “Crazy Horse” (2011). Frederick Wiseman estreou no cinema com “Titicut follies” (1967), sobre o dia-a-dia do manicômio judiciário de Bridgewater, em Massachusets, afirmando uma postura ainda mais radical dentro do cinema direto americano, buscando diminuir ao máximo a interferência da equipe e da câmera sobre o meio documentado e mantendo um forte controle narrativo através da montagem. De lá para cá, já são mais de 30 documentários nos quais Wiseman registra as relações entre o espaço, o tempo, os corpos, as leis e os poderes institucionais: da prisão à escola, da polícia ao laboratório científico, do zoológico à moda. Um projeto ambicioso, perseverante e paciente de cartografia das instituições americanas. Um projeto no qual Wiseman investe toda uma vida. 

“Crazy Horse” se divide, de um lado, nos movimentos burocráticos e questões administrativo-financeiras da casa e do novo espetáculo, e, do outro, no trabalho das dançarinas, com ênfase nos ensaios. O foco de Wiseman esta na verdade justamente em uma noção de processo. Assistimos a reuniões, momentos de introspecção e reflexão, entrevistas (aproveitando a presença de equipes de televisão que passam pela casa), e, sobretudo, os ensaios. Wiseman registra o trabalho das dançarinas em takes longos e faz escolhas cuidadosas de encenação para potencializar a ação e o erotismo de alguns movimentos. É curioso: as imagens dos ensaios não nos chegam carregadas de algum peso simbólico ou de uma missão discursiva; elas valem por si mesmas. 

A casa parisiense, como é de costume no cinema de Wiseman, é visto como uma espécie de instituição, especialmente no que diz respeito às diversas disputas de poder que a compõe. Contudo, talvez o grande tema deste documentário seja o desejo. A projeção do desejo sempre esteve em jogo no cinema. Wiseman ilustra o conceito e seu funcionamento. Aposta também em uma longa desconstrução, com mais de 2 horas de ensaios técnicos dos números criados por Philippe Decouflé. Este, aliás, aparece a todo mundo discutindo o termo desejo. Wiseman não individualiza as dançarinas, quase sempre fragmentadas em bundas, pernas, seios, braços... As apresentações de dança nos convencem certamente de que este é um cabaré diferente. Wiseman e seu operador de câmera ajudam bastante, usando uma grande variedade de géis e filtros, e aproveitando a iluminação do próprio espetáculo. Por vezes, a impressão é a de estarmos vendo uma espécie de caleidoscópio para maiores. É como se os corpos das bailarinas fossem elementos cinematográficos. 

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