Grande filme. Lembrei bastante de Rithy Pahn. O cinema como uma oportunidade ética crucial. É o que vejo no esforço de Cristiano Burlan para lembrar do irmão, da família, de Capão Redondo. A periferia é como um personagem onipresente. Ela está em todos os planos de “Mataram meu irmão”. Ela acompanha Burlan por todo o filme, mesmo quando ele não esta mais por lá. Na verdade, Capão Redondo ficou comigo por um bom tempo depois da sessão. Talvez não seja personagem a palavra mais adequada. A periferia é como uma força. Uma força!
Não há aqui um desejo de sublimação freudiana. Burlan é seco, direto, ao ponto. Quando o filme respira, a imagem que nos chega é a de um carro em trânsito sob o céu cinzento ou a negritude da noite de São Paulo. O tom não pode ser moralizante, nem mesmo investigativo. Burlan não se pergunta até que ponto conhecia o irmão. Ele o conhecia. Ponto. Burlan não tem cabeça para trilha, filtros, sensibilidades, sentimentalismos. É bem interessante neste sentido a opção de Burlan de não identificar os entrevistados com legendas. O filme não tem tempo ou cabeça para se preocupar com isso. Não importa quem são eles e as legendas distraem. O que interessa é o que está sendo dito, o que se percebe entre cada fala, como elas juntas formam uma outra coisa. O que se busca é uma espécie de retrato, uma descrição sobre Rafael. Uma descrição (e não um discurso, como bem distinguiu o Filipe Furtado lá na “Cinética”) que diz respeito não somente ao Rafael, mas à sua família, seus amigos, à periferia, a todos nós.
Leio aqui e ali as pessoas falarem em coragem. Pode ser. Mas, enfim, foi-se o tempo em que falar de si, mesmo quando o assunto é trágico, é ter coragem. Não é? Além disso, falar de coragem me parece muitas vezes não falar dos méritos cinematográficos de “Mataram meu irmão”. Muitas coisas (íntimas) são de fato reveladas pelo filme: as mortes violentas do irmão, do pai e da mãe, a prisão de outro irmão, etc. Mas o jogo é outro. Fiquei pensando em “Elena”. Não gosto do filme de Petra Costa. Sinto-me muito incomodado por este filme. Acho estranho sair do cinema sabendo tão pouco de Elena. Acho curioso o foco dado aos aspectos sentimentais (e sedutores) da história, às músicas e belas imagens que os expressem. Acho um crime aquela leitura da carta de despedida, uma invasão imperdoável de privacidade. Não há nada disso em “Mataram meu irmão”.
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