quarta-feira, abril 09, 2014

planeta solitário ***

Julia Loktev estreou em longa com “Moment of impact” (1998), um documentário sobre um acidente de carro que mudou a vida de seus pais. “Moment of impact” ou, em português, “momento de impacto” é uma boa maneira de descrever a estética e as intenções drmático-narrativas de seu cinema. Talvez pudesse ser o título de suas ficções seguintes, seja “Dia noite, dia noite” (2006) ou, o mais recente, “Planeta solitário”. Como em seu antecessor, “Planeta solitário” se desenrola em grande parte ao longo de 48 horas, sugerindo camadas de suspense surpreendentes que não emergem exatamente de uma trama dramaticamente bem ordenada, mas da observação, do registro e da conjugação de detalhes, gestos, paisagem. Ainda em comum com “Dia noite, dia noite”, quando acompanhamos de perto uma terrorista em potencial pelas ruas movimentadas de Nova York, somos neste filme mais uma vez posicionados em um terreno nebuloso, de identificações escorregadias, embora agora a sensação de desastre iminente é algo mais difuso, espalhado, sobretudo, na paisagem.

“Planeta solitário” é um filme de visual deslumbrante, desenvolvendo uma curiosa interação entre uma certa noção de confinamento e reclusão e a sensação de algo aberto, livre. Loktev mantém a câmera colada nos atores para depois cortar para a paisagem, majestosa e indiferente. Não deixa de ser estranho o fato de o céu aparecer apenas timidamente, aqui e ali. Os personagens entram e saem de quadro, sem muito alarde. É uma espécie de coreografia o que Loketv se propôs a fazer. É preciso também destacar a singularidade da paisagem deste filme. São montanhas enormes e verdes, nada áridas ou rochosas, e, o que é mais surpreendente, sem árvores. Ela ajuda a intuir uma atmosfera, um tom, algo que nos faz lembrar talvez de um futuro incerto, uma ficção científica. A realizadora aposta no registro de determinadas ações em toda a sua duração, e é dela, dessa duração, de onde a narrativa aflora aos poucos.  

De repente, “Planeta solitário”, como “Dia noite, dia noite”, divide-se em dois. Em um determinado momento, o acaso dá as caras, enraizando-se entre Alex e Nica. A resposta imediata dele ao momento inesperado não parece mais nada do que uma reação instintiva básica de auto-preservação. Ela, contudo, e é compreensível que assim o seja, sente-se absolutamente desprotegida. O que eles esperavam um do outro? Alex, Nica e Dato não sabem bem como significar o acontecido. A exploração do paraíso ficou pra trás. Perdeu-se aquela inocência. Uma nuvem de dúvidas e silêncio se apodera do longa. O tempo desacelera. Alonga-se o plano. “Planeta solitário” se transforma em um filme sobre pessoas que não conversam sobre aquele momento. Loktev registra um incidente conflituoso e não tenta resolvê-lo. Consciente de sua incapacidade de dar conta do acontecido, ela nega um olhar mais afirmativo. A virada de “Planeta solitário” está intrinsecamente associada aos papéis e expectativa de gênero, mas, sentir-se mais atraído por um dos lados da dupla, diz muito mais de você do que do filme.  A segunda parte de “Planeta solitário” se faz na tentativa de cada um de seus protagonistas darem sentido ao que viveram, retornarem a um determinado equilíbrio. Alex e Nica ensaiam algum diálogo. Dato revela algo de sua história, e nos leva a lugares talvez mais sombrios. O tal “momento de impacto” reverbera, reverbera, reverbera. 

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