Outro dia, vivi um daqueles momentos mágicos. Estava em Foz do Iguaçu. Eu, minha mulher e um amigo, andávamos à noite por uma rua deserta, a caminho do hotel. A alguns metros, três jovens conversavam e bebiam cerveja. Um deles, o mais alto, com alguns quilos a mais, me viu, arregalou os olhos e disse estendendo a mão na minha direção: “espera aí!”. Enquanto pensava se parava ou não, ele correu para um carro, ligou o rádio e botou “Dedication”, do Thin Lizzy, para tocar. Alto, bem alto. Eu vestia uma camisa dessa banda irlandesa. Gosto muito dessa banda e dessa camisa. Fui muito feliz naqueles segundos. O sujeito saiu do carro olhando pra mim, balançando a cabeça e sorrindo um sorriso sem fim.
“Você é da onde”, perguntou.
“Sou do Rio”, respondi.
“Aqui ninguém conhece essa banda”, continuou, ainda sorrindo e balançando a cabeça.
Eu ameacei a tirar camisa. Queria dá-la de presente. Devia isso a ele. Mas não o fiz, a camisa jamais caberia nele – hoje me arrependo disso; não importava se aquela camisa cabia ou não nele.
Andando para o hotel, com “Dedication” ao fundo, um sorriso no rosto, e já com a lembrança daquela felicidade, fiquei pensando: bater na tecla da indústria cultural, da produção de cultura como mercadoria, não faz mais muito sentido hoje. Quer dizer, não é que isso não faça mais sentido, mas as coisas mudaram e insistir numa crítica baseada na idéia de uma perpetuação da lógica do mercado no consumo das mídias não dá conta do quadro em que vivemos hoje. Aquela minha felicidade só foi possível por causa dessa sociedade de mercado. Entende?
Pensei nos sociólogos Benedict Anderson e Arjun Appadurai. São caras que acordaram para o fato de que o consumo da mídia vem colecionando efeitos bem mais amplos que os da imprensa. Afinal, para além de seu sentido experiencial, prático e ao alcance de todos, a mídia atravessa os limites do estado-nação, estabelecendo laços invisíveis. Foi essa convicção que levou Anderson a criar o termo “comunidade política imaginada” para designar a idéia de “nação”. Uma nação que inventa espaços de solidariedade e constrói paulatinamente uma espécie de adesão silenciosa. A nação como um lugar de investimento e produção de desejo, um espaço de experimentação de algo que escapa a um estado de coisas demarcado pela terra física e geográfica. Uma “comunidade de sentimento”, como prefere Appadurai.
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