"Continuamos a opor termo por termo a encenação (ficção, reconstituição) ao direto (documentação feito ao vivo). Aos excessos de uma encenação fetiche, herdada da cinefilia dos gêneros hollywoodianos, continuamos a opor os méritos do direto, do espontâneo, do vivido, do natural – tudo o que se tornou possível pelo progresso da técnica e que culmina com o “cinema-verdade” dos anos 1960. Essa oposição é um truque. Falando em termos políticos, mesmo “politistas”, é preciso dizer que a burguesia não tem apenas o monopólio das imagens filmadas da realidade, ela tem – prioritariamente para qualquer filme – o monopólio da encenação dessa realidade. Uma cidade, uma sala de cinema, uma clínica são já encenação. Existe de antemão um modo de usar o tempo e o espaço que eles circunscrevem, percursos obrigatórios, os limites e as proibições. Em última análise, é esse modo de utilização que é político (no sentido em que reforça um poder). Quando um cineasta filma esse espaço “ ao vivo” ou o “naturaliza” em uma ficção, n”ao o deixa livre, no entanto, dessa primeira encenação, tanto mais forte porque permanece despercebida, porque existe antes da encenação e, muitas vezes a condiciona. O contrário de uma encenação, não é o direto selvagem, mas uma outra encenação. O contrário do direto não é uma encenação, mas um outro direto. Diverso porque implica uma nova percepção, uma nova posição (espacial, moral, política) do filmador diante daquilo que filma" ("A rampa", pág. 74).
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