Os 12 primeiros minutos de “The man from London” (2007) compõem um dos planos sequências mais incríveis que eu já vi. O movimento começa nos revelando a proa de um grande navio, seguindo por belas e misteriosas imagens de um porto, subindo ao céu, confundindo nossa relação com os espaços e os espaços, abrindo espaço, criando espaço, até terminar no ponto de partida da trama deste filme: um estivador solitário testemunha um crime e acaba com uma maleta recheada de dinheiro. São famosos os movimentos de câmera de Bela Tarr. Nestes 12 mins, por exemplo, a câmera consegue estar dentro e fora ao mesmo tempo, ser simultaneamente uma coreografia complexa, um ponto de vista e um exercício do olhar. O filme é realmente sobre uma maneira de olhar as coisas, de explorar o espaço de maneiras inesperadas, meditando sobre as qualidades da luz e da superfície dos objetos. Eu me lembrei de um termo formidável inventado pelo Merleau-Ponty que me parece bem apropriado: voluminosidade! Bela Tarr faz pouco caso da tradicional divisão entre formalistas e realistas, entre os que acreditam na imagem e os que acreditam no real. Pra ele, é todo e uma única coisa. É um certo potencial do cinema que é a todo o momento reafirmado, a cada movimento. Eu entendo que alguns críticos tenham sublinhado um aspecto um tanto “sufocante” em algumas cenas. Bela Tarr estaria buscando um “filme Bela Tarr”. Pra mim, no entanto, que não conheço as obras pregressas do homem, o filme me parece sensacional.
sexta-feira, agosto 31, 2012
terça-feira, agosto 28, 2012
sábado, agosto 25, 2012
pra frente brasil ***
Eu nunca tinha visto “Pra frente Brasil” (1982). Sequer
sabia muito bem do que se tratava a história do filme. E, durante a sessão, estava, confesso, meio
atordoado com o que via: a música melosa onipresente, as viradas sempre muito
marcadas, as atuações, os diálogos, os planos e contraplanos... A impressão era
a de estar vendo uma novela. O que Roberto Farias planejava? Aos poucos, com o
desenrolar da história, o gesto do cineasta me veio à cabeça: tornar o material
o mais acessível possível! Dizem que algumas histórias precisam ser contadas.
Esta era definitivamente uma delas. “Pra
frente Brasil”, contudo, não se afirma somente pelo que conta, mas também por este
desejo de se fazer visto e ouvido pelo maior número de pessoas possível. E
Roberto Farias vem surpreendendo a cada filme.
quarta-feira, agosto 22, 2012
meek's cutoff ***
Gostei deste filme. Gosto
também dos outros filmes que vi dirigidos pela americana Kelly Reichardt (“Old
Joy” e “Wendy and Lucy”). Em todos eles, a experiência central pela qual seus
personagens se veem enredados é a de “estar perdidos” (seja existencialmente e ou
geograficamente). Reichardt se detém meticulosamente nos detalhes, em torno de
temas e desenvolvimentos de difícil definição. Um cinema materialista,
concreto, que muito vem sendo chamado de “minimalista”. “Meek’s Cutoff” se
passa em 1845, no Oregon. Flagramos uma caravana de colonos atravessando o
velho Oeste. O guia deles propõe um atalho. Eles acabam se perdendo e esbarram
com um índio. Eu não me lembro de ter visto um índio tão “outro” em um filme
americano. Os colonos serão obrigados a confiar nele para encontrar água. “Meek’s
Cutoff” é na verdade a história de um crescente sentimento de incerteza. Os dias
e as noites são claramente demarcados pela montagem. A passagem do tempo é algo
que se vê e se sente, embora seja complicado saber quanto tempo se passou desde
que se perderam. A paisagem é ao mesmo tempo
matéria bruta e indiferente, e emoção desesperada e promessa de algo a mais. Essa
ambiguidade é muito bem explorada pelo filme, sempre entre os perigos visíveis
e iminentes e a necessidade de confiar no desconhecido.
domingo, agosto 19, 2012
toda donzela tem um pai que é uma fera ***
Fazia um certo tempo que eu não me divertia tanto no cinema. "Toda donzela tem um pai que é uma fera" (1966) é um filme incrível, a começar pelo título. John Herbert como o libertino xiita Porfírio é algo do outro mundo. Não fazemos mais filmes como este. Por que será? Um trecho:
quinta-feira, agosto 16, 2012
terça-feira, agosto 14, 2012
la morte rouge ****
Eu acabo de ver “La morte rouge”, o curta que Victor Erice
fez para a instalação “Correspondências” (um diálogo entre ele e Abbas
Kiarostami). O próprio Erice narra em off (na terceira pessoa) sua primeira
experiência no cinema, em 1946. Sua irmã mais velha o levara para ver “The
Scarlet Claw”, um filme B de detetive, que estava passando no Gran Kursaal, em
San Sebastian, na Espanha. Uma experiência fundamental. Uma revelação e uma
experiência de terror. La Morte Rouge é o nome da cidade canadense em que se
passa a história filme. Erice descobriria anos depois que aquela era uma cidade
fictícia. Uma cidade que só existia no cinema. Essa é a primeira linha desse
filme, uma celebração do fascínio pelo universo cinematográfico que contamina,
se espraia e perdura em nossa memória. A aventura de Erice ainda se transforma
em um ensaio autobiográfico, uma exploração sobre os efeitos do fascismo e um
devaneio metafísico sobre o que persiste em nossas memórias. Erice se lembra do
filme de propaganda franquista que antecedia ao longa. Nele, um homem
bem-vestido dava dinheiro para crianças e mulheres pobres. Erice se pergunta como uma criança distingue
quem é bom e quem é mau em um filme. Em “The
Scarlet Claw”, um personagem inócuo, o carteiro Potts, será desmascarado como o
assassino da trama. A monstruosidade vem em muitas formas – uma ideia presente
nos primeiros filmes do cineasta. Erice teria medo de carteiros por um bom
tempo – e sua irmã sempre o provocava dizendo que o carteiro estava vindo. Um
belíssimo filme.
quinta-feira, agosto 09, 2012
roberto farias no ccbb
Começou esta semana uma mostra no CCBB com filmes de Roberto Farias, uma das figuras mais importantes da história do cinema brasileiro. Vejam a programação:
18h – Rio fantasia (1956)
9 de agosto – quinta-feira
14h –
Curso: aula 2: "Comédia e drama em equilíbrio: a busca por um cinema
popular"
16h – Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987)
Dir.:
Roberto Farias 96 min, 35mm, Livre
18h – Cidade ameaçada (1960)
Dir.:
Roberto Farias 105 min, 35mm, 12 anos
20h –
DEBATE – "Roberto Farias: autoria e gênero". Mediação de João Luiz
Vieira com a presença de Flávia Seligman e Rafael de Luna
10 de agosto – sexta-feira
14h –
Curso: aula 3: "A crença na possibilidade de uma indústria cinematográfica
brasileira:
estratégias, experiências, impasses e saídas".
16h – Os machões (1972)
Dir.:
Reginaldo Faria 96 min, 35mm, 14 anos
18h – O assalto ao trem pagador (1962)
Dir.:
Roberto Farias 103 min, 35mm, 12 anos
20h – Toda donzela tem um pai que é uma fera (1966)
Dir.:
Roberto Farias 107 min, 35mm, Livre
11 de agosto – sábado
16h – Roberto Carlos a 300 km por hora (1971)
Dir.:
Roberto Farias 99 min, 35mm, Livre
18h – Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968)
Dir.:
Roberto Farias 97 min, 35mm, Livre
20h – Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (1968)
Dir.:
Roberto Farias 94 min, 35mm, Livre
12 de agosto – domingo
16h – Aviso aos navegantes (1950)
Dir.:
Watson Macedo 113 min, 35mm, Livre
18h – Selva trágica (1964)
Dir.:
Roberto Farias 101 min, Betacam, 14 anos
20h – Um candango na Belacap (1961)
Dir.:
Roberto Farias 100 min, Betacam, Livre
14 de agosto – terça-feira
15h – Os paqueras (1969)
Dir.:
Reginaldo Faria 102 min, Betacam, 16 anos
17h – É fogo na roupa (1952)
Dir.:
Watson Macedo 88 min, 35mm, Livre
19h – Cidade ameaçada (1960)
Dir.:
Roberto Farias 105 min, 35mm, 12 anos
15 de agosto – quarta-feira
15h – Aventuras com tio Maneco (1971)
Dir.:
Flávio Migliaccio 90 min, Betacam, Livre
17h – Rico ri à toa (1957)
Dir.:
Roberto Farias 110 min, 35mm, 14 anos
19h – Com licença eu vou à luta (1986)
Dir.: Lui
Farias 84 min, 35mm, 14 anos
16 de agosto – quinta-feira
15h – Toda donzela tem um pai que é uma fera (1966)
Dir.:
Roberto Farias 107 min, 35mm, Livre
17h – O assalto ao trem pagador (1962)
Dir.:
Roberto Farias 103 min, 35mm, 12 anos
19h –
DEBATE: "Roberto Farias: mercado e política". Mediação de Tunico
Amancio com a presença de Luiz Gonzaga de Luca e Lia Bahia.
17 de agosto – sexta-feira
15h – Quem tem medo de lobisomem (1974)
Dir.:
Reginaldo Faria 92 min, Betacam, 14 anos
17h – Aguenta coração (1982)
Dir.:
Reginaldo Faria 99 min, 35mm, 14 anos
19h – Selva trágica (1964)
Dir.:
Roberto Farias 101 min, Betacam, 14 anos
18 de agosto – sábado
16h – Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987)
Dir.:
Roberto Farias 96 min, 35mm, Livre
18h – Rio fantasia (1956)
Dir.:
Watson Macedo 115 min, 35mm, Livre
20h – O fabuloso Fittipaldi (1974)
Dir.:
Roberto Farias 98 min, 35mm, Livre
19 de agosto – domingo
16h - No mundo da Lua (1958)
Dir.:
Roberto Farias 104 min, 35mm, Livre
18h – Toda nudez será castigada (1972)
Dir.:
Arnaldo Jabor 103 min, 35mm, 16 anos
20h – O casamento de Romeu e Julieta (2004)
Dir.:
Bruno Barreto 93 min, 35mm, 10 anos
21 de agosto – terça-feira
15h – Mar de rosas (1970)
Dir.: Ana
Carolina 90 min, DVD, 16 anos
17h – Um candango na Belacap
Dir.:
Roberto Farias 100 min, Betacam, Livre
19h – Os paqueras (1969)
Dir.:
Reginaldo Faria 102 min, Betacam, 16 anos
22 de agosto – quarta-feira
17h – Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (1968)
Dir.:
Roberto Farias 94 min, 35mm, Livre
19h – Não quero falar sobre isso agora (1990)
Dir.:
Mauro Farias 101 min, 35mm, 14 anos
23 de agosto – quinta-feira
15h – Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968)
Dir.:
Roberto Farias 97 min, 35mm, Livre
17h – Pra frente Brasil (1982)
Dir.:
Roberto Farias 105 min, 35mm, 16 anos
19h –
Master class: "Roberto Farias" – mediação de João Luiz Vieira e
Tunico Amancio
24 de agosto – sexta-feira
17h – Rio fantasia (1956)
Dir.:
Watson Macedo 115 min, 35mm, Livre
19h – Com licença eu vou à luta (1986)
Dir.: Lui
Farias 84 min, 35mm, 14 anos
25 de agosto – sábado
17h – É fogo na roupa (1952)
Dir.:
Watson Macedo 88 min, 35mm, Livre
19h – Toda nudez será castigada (1972)
Dir.:
Arnaldo Jabor 103 min, 35mm, 16 anos
26 de agosto – domingo
16h – Aguenta coração (1982)
Dir.:
Reginaldo Faria 99 min, 35mm, 14 anos
18h – Roberto Carlos a 300 km por hora (1971)
Dir.:
Roberto Farias 99 min, 35mm, Livre
20h - Mar de rosas (1970)
Dir.: Ana
Carolina 90 min, DVD, 16 anos
segunda-feira, agosto 06, 2012
domingo, agosto 05, 2012
batman *
Achei este último "Batman" bem chato. E embora a atuação de Heath Ledger no segundo longa da série seja algo do outro mundo, ainda prefiro o primeiro. Este último me enche mesmo a paciência com uma necessidade inexplicável de imprimir profundidade à trama - ao longo da sessão, lembrei-me da objetividade, da frontalidade, da falta de rodeios de "Os mercenários". O segundo longa já sofria disto, sem falar no virtuosismo para impressionáveis do Christopher Nolan. O Batman é um justiceiro. É preciso ter cuidado ao representá-lo. Este terceiro filme leva isto ás últimas. Leiam este texto do Ricardo Calil, publicado na "Folha de São Paulo":
RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA
RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA
É difícil imaginar algum fã do Batman criado por Christopher Nolan pedindo o dinheiro do ingresso de volta depois de ver o último episódio de sua trilogia.
"Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge" entrega tudo aquilo que o admirador da série se acostumou a esperar.
Trama complexa, metáforas sobre a condição humana, um protagonista sólido (Christian Bale), um vilão marcante (o Bane de Tom Hardy), duas belas presenças femininas (Anne Hathaway e Marion Cotillard).
Para os que não são fãs incondicionais da série, porém, é possível notar ausências. Aí vai uma pequena lista de coisas que faltam ao filme.
1) Um ponto de vista: O filme assume de vez que Gotham City é Nova York e traz referências explícitas aos atentados de 11 de Setembro e à crise financeira. Mas nunca é possível entender a visão de Nolan sobre essas questões: ele é contra a guerra ao terrorismo e os privilégios dos mais ricos ou é a favor?
A cada cena, o diretor parece querer dizer algo diferente. O que sugere que esses temas foram trazidos ao filme para lhe emprestar uma profundidade que ele não tem.
2) Senso de humor: OK, os quadrinhos demoraram muito tempo para serem reconhecidos como uma forma de arte para adultos. OK, trata de um órfão traumatizado.
Mas precisava ser tão solene e pomposo? São duas horas e 45 minutos com algumas tiradas espirituosas, mas sem brechas para risadas.
3) Fé no poder da imagem: Nolan cria tramas tão intrincadas que os personagens gastam metade de seu tempo em tela tentando explicá-las com diálogos expositivos.
4) Risco: O último episódio da trilogia de Nolan é de uma eficácia acachapante. Falta, porém, a beleza que nasce da imperfeição, como a interpretação desatinada de Heath Ledger como o Coringa no filme anterior.
Da trilogia de Nolan, a imagem que permanecerá é a de Ledger/Coringa perguntando ao Batman (mas sobretudo a seu diretor): "Why so serious?" (Por que tão sério?).
quarta-feira, agosto 01, 2012
everyone else ****
Gostei muito deste filme. “Everyone Else” (2009), segundo longa da
alemã Maren Ade, acompanha um jovem casal de férias na Itália. É um filme
diferente sobre uma relação amorosa, recheado de rituais estranhos, momentos
imbecis e por vezes meio secretos, além de constantes jogos de poder, provas e
mais provais, decepções e uma ou outra epifania. É muito curioso como Maren Ade
consegue alternar os pontos de vista de Gitti e Chris de maneira tão sutil,
quase imperceptível. Quando começamos a achar que entendemos o personagem,
quando a identificação se vislumbra no horizonte, o filme nos derruba
novamente. Isto é muito bom: somos jogados na intimidade deste casal, mas Gitti
e Chris permanecem algo indecifráveis. Eu mesmo não sei o que pensar sobre
eles, sobre o papel que cada um representa nessa relação. Embora eu reconheça
nessa mistura de naturalismo, psicologia e teatralidade talvez a mola mestra de
toda e qualquer relação amorosa. O final do filme é bem legal. Gitti e Chris
chegam a um impasse. A impressão é a de que eles precisam se reinventar como
casal. “Everyone Else” termina com esta promessa.
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