Eu acabo de ver “La morte rouge”, o curta que Victor Erice
fez para a instalação “Correspondências” (um diálogo entre ele e Abbas
Kiarostami). O próprio Erice narra em off (na terceira pessoa) sua primeira
experiência no cinema, em 1946. Sua irmã mais velha o levara para ver “The
Scarlet Claw”, um filme B de detetive, que estava passando no Gran Kursaal, em
San Sebastian, na Espanha. Uma experiência fundamental. Uma revelação e uma
experiência de terror. La Morte Rouge é o nome da cidade canadense em que se
passa a história filme. Erice descobriria anos depois que aquela era uma cidade
fictícia. Uma cidade que só existia no cinema. Essa é a primeira linha desse
filme, uma celebração do fascínio pelo universo cinematográfico que contamina,
se espraia e perdura em nossa memória. A aventura de Erice ainda se transforma
em um ensaio autobiográfico, uma exploração sobre os efeitos do fascismo e um
devaneio metafísico sobre o que persiste em nossas memórias. Erice se lembra do
filme de propaganda franquista que antecedia ao longa. Nele, um homem
bem-vestido dava dinheiro para crianças e mulheres pobres. Erice se pergunta como uma criança distingue
quem é bom e quem é mau em um filme. Em “The
Scarlet Claw”, um personagem inócuo, o carteiro Potts, será desmascarado como o
assassino da trama. A monstruosidade vem em muitas formas – uma ideia presente
nos primeiros filmes do cineasta. Erice teria medo de carteiros por um bom
tempo – e sua irmã sempre o provocava dizendo que o carteiro estava vindo. Um
belíssimo filme.
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