segunda-feira, outubro 30, 2006

Fica comigo ***


Quando o assunto é registrar o sentimento de liberdade desnorteadora do sujeito pós-moderno, o cinema asiático está sempre na frente. Isso vale também para o terceiro longa do cingapuriano Erick Khoo, “Fica Comigo”. No entanto, aqui o cinema será o meio pelo qual transformações serão desencadeadas. “Fica Comigo” é o cinema movido pela fé na possibilidade da comunicação - neste sentido, é interessante como o filme lida e mescla novos (SMS, Chat, e-mails) e antigos (carta) suportes para a comunicação, todos interagindo nesta espécie de “cinema mudo-sonoro”, como bem disse o Luiz Carlos Oliveira Jr (Contracampo).

No filme, três histórias são narradas simultaneamente. Na principal, um homem perde a esperança depois da morte da mulher. Ao ler a biografia de uma cega surda, revelando sua coragem e vontade de viver, a vida desse homem toma novo rumo. O livro está sendo traduzido por seu filho, que durante o processo o aproxima da senhora. Na segunda, um segurança tem dois amores: a comida e uma empresária, que mora perto de seu apartamento. Na história final, duas jovens se conhecem pela internet. Uma delas, porém, abandona a outra de forma abrupta, levando esta a uma busca incansável para saber as razões do afastamento.

Com o passar do longa, percebe-se a figura da senhora cega e surda Theresa Chan, interpretada por ela mesma (o que, alias, traz um enorme frescor sempre que ela entra em cena), como o prisma por onde se alinha os personagens e todo o conceito do filme. Theresa respira um sentimento incondicional de amor pela vida – e Khoo inova pela maneira com a qual ele incorpora as legendas narrando passagens da vida da “personagem”. Contra todas as probabilidades, ela amou e foi amada. Prova viva da possibilidade do contato; e de que, pior do que perdê-lo, é perder a capacidade de acreditar nele. E quando as histórias se conectam, temos, mais uma vez, a comunicação se mostrando possível (mesmo que pelas linhas mais tortas), além de belíssimas seqüências, em especial a cena final entre Theresa Chan e o senhor que cozinha pra ela.

Contudo, para além de suas qualidades, “Fica comigo” tem outros tantos problemas. O filme tem um aspecto desconjuntado. Um filme mal vestido, com direito a algumas escorregadas no piegas. Por vezes, me pareceu simplesmente mal filmado – a cena da tentativa de suicídio, por exemplo, foi uma das que mais me incomodaram. Os flashbacks, apesar de renderem algumas belas cenas, também me pareceram desnecessários. A história envolvendo o segurança gordo rejeitado pela família é apresentada de maneira um tanto “frágil”. Mas o que me pareceu mais estranho foi a inclusão das legendas em inglês para entendermos o que fala Theresa. Um contradição na base de “Fica comigo”? Seria este um flagrante das intenções de Khoo? Sei lá...

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