terça-feira, outubro 03, 2006

Os 12 trabalhos ***


Como vem sendo anotado por aí, “Os 12 trabalhos”, o segundo filme de Ricardo Elias e sua equipe (“De passagem”, de 2003) sinaliza uma continuidade, marca uma evolução em quase todos termos, e aponta para uma carreira consistente. Para além de inúmeras afinidades com o seu precedente (uma história que se passa no tempo de um dia, a narrativa em movimento, a pregnância do espaço das ruas na história, os personagens da periferia paulistana, e a simplicidade no uso de todos os elementos cinematográficos), “Os 12 trabalhos” confirma a feliz parceria de Elias e o roteirista Cláudio Yosida. A temática política e social entra numa simbiose delicada com uma sensibilidade intimista toda particular. Um cinema imperfeito, um cinema de personagens.

O longa gira em torno de Heracles (Sidney Santiago), um jovem negro da periferia que, para superar seu passado, terá de realizar 12 tarefas ao longo de um dia para conseguir um emprego como motoboy. Nesta jornada, apoiado por seu primo Jonas (Flávio Bauraqui, cada vez melhor), ele irá cruzar com funcionários públicos, policiais, advogados, professores, traficantes, outros motoboys e diversos personagens. O interessante é que “Os 12 trabalhos” não funciona numa chave maniqueísta no que diz respeito ao protagonista. Heracles não é realmente um herói, mas tampouco deixa exatamente de sê-lo. Elias não o transforma num sobrevivente, mas num sujeito generoso e cheio de esperança. O realizador dá ênfase ao olhar e aos gestos de seu protagonista, um sujeito extremamente sensível e que desenha muito bem. É pelo desenho que o cineasta permite o personagem viajar pela narrativa, lhe cedendo o papel de co-diretor para todas as narrativas paralelas com as quais ele se depara. Numa dessas “viagens”, quando Heracles mostra seus quadrinhos para os amigos motoboys, além de presenciarmos talvez a melhor cena do filme, também podemos perceber os avanços da direção. Nesta cena, Elias retorna à periferia, às crianças, a todo o terreno de encenação de “De passagem”. E o faz de maneira comovente. A coreografia espacial urbana também é incorporada dentro da construção poética de “Os 12 trabalhos” e sua atmosfera trágica - vale sublinhar, aqui, as contribuições do fotógrafo Carlos Jay Yamashita e do montador Willem.

Entretanto, apesar de algumas ótimas seqüências, “Os 12 trabalhos” não é um grande filme. Ao contrário, tem alguns problemas de roteiro (meio over na ênfase em deixar claro a sensibilidade do personagem, além de algumas digressões narrativas como a cena com a namorada de Jonas), na interpretação de atores (por vezes, o protagonista, um estreante, não parece segurar a onda) e na mise-en-scène (o uso do plano e contra plano gera desconforto em alguns momentos). Mas acho que essas imperfeições fazem parte do processo de Elias e sua equipe, contribuem para a carga de sinceridade que colore “Os 12 trabalhos”. E, convenhamos, num contexto cinematográfico em que se privilegia um certo sentimentalismo e as flores do estilo, é revigorante que o realizador e seus colaboradores respondam com um cinema sem firulas, cuja emoção nasce sempre de uma necessidade interna.

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