Michael Mann é senhor de uma série de thrillers urbanos magníficos. Apesar de por vezes balançar entre a eficácia dramática e a busca pela pura experiência sensitiva, Mann não é apenas um diretor com um roteiro na mão. Estamos falando de um poeta do som e da imagem, um artista essencialmente cinematográfico. Assim como no poema dedicado a Los Angeles (“Collateral”, 2004), em “Miami Vice” a grande preocupação de Mann está no exercício de estilo e na experiência estética que o filme é capaz de proporcionar. É nítida, inclusive, a sensação de realização pessoal, de auto-entrega estilística em muitas partes do filme. Numa frase, “Miami Vice” é um deleite visual e estético. O longa não alcança a posição épica de “Fogo contra fogo” (1995), nem a força dramática de “O informante” (1999). Por outro lado Mann nunca foi tão feliz em incorporar suas obsessões num filme.
Produtor-executivo da série de TV, Mann decidiu se distanciar do programa original, trazer a história para o presente, para a noite - em “Miami Vice” quase tudo se passa durante a noite. Lá estão Sonny Crockett (Colin Farrell, no papel que foi de Don Johnson) e Rico Tubbs (Jamie Foxx, no de Philip Michael Thomas), e também a idéia central do finado programa: dois detetives de Miami que se infiltram em organizações criminosas. De fato, desde “Fogo contra fogo, o personagem de Mann é sempre o profissional em crise ou forçado a se confrontar com seu reflexo num espelho que o enoja. O cineasta gosta de figuras que vivem uma versão superpoderosa deles mesmos. Personagens que se debatem com uma identidade fabricada, que, na verdade, é uma extensão deles mesmos.
O talento de Mann para trabalhar som e trilha nunca foram tão evidentes. Rodado em HD (vídeo de alta definição) pelo fotógrafo Dion Beebe, “Miami vice” já representa um enorme avanço no uso da câmera digital feito em “Collateral” (que, diga-se de passagem, nada tem haver com o uso que George Lucas e Robert Rodrigues fazem em “Star Wars” e “Era uma vez no México”, respectivamente). Mann e Beebe abraçaram o digital no que ele tem de peculiar, explorando texturas, enquadramentos e profundidades. “Miami Vice” ostenta um belíssimo grão nas noturnas, um aspecto caseiro, uma urgência experimental que enchem os planos de “verdade”. “Verdade” esta que também se dá pela incorporação da imagem de vigilância e seu estatuto referencial ainda intacto; pela apropriação de técnicas de registro em tempo real; e pelo embate que Mann promove nas passagens de um plano ao outro. O filme é estruturado pelo movimento permanente, e flui de um personagem a outro, de uma identidade a outra, de um continente ao outro, de um foco dramático a outro, de maneira acachapante.
Lendo críticas (o filme é quase uma unanimidade por aqui), fica uma dúvida quanto à importância da história. Ela é certamente menos importante que a atmosfera. Mas permanece uma certa indecisão quanto ao papel da trama no todo do filme. Quer dizer... Por vezes o filme nos dá a entender que a história é importante. Seqüências depois, ela não parece tão significativa assim. Não sei. Pra mim, o fato é que, na maioria das cenas, “Miami Vice” cai de rendimento quando direciona a câmera para as motivações dos personagens. Milton do Prado falou de uma preguiça dramática. Concordo plenamente com ele. Mann repete situações ao longo do filme e o romance entre Sonny e Isabelle (Gong Li), apesar de toda a sensualidade que nos passa a direção das imagens, não me pareceu muito convincente. Ricardo Calil diz que os personagens existem aqui “para servir ao exercício de ação e de estilo, para mostrar como o cineasta é capaz de recriar a tradição do filme policial com um fiapo de trama”. Talvez. Talvez estejamos, como apontou Cléber Eduardo, diante de uma narrativa resolvida na superfície, “na notável geometria dos olhares, na dança dos corpos, no fluxo das imagens encadeadas, nas experiências dos personagens, nas atmosferas de uma contemporânea poesia – artificial, mas não sem verdade nesses artifícios”. É importante que se diga que Mann não está mesmo atrás de um puro virtuosismo. Ele é um formalista, certamente.
No fim das contas, tendo a concordar com o Calil: em “Miami vice”, o meio é a mensagem. O trabalho de Mann é superior ao filme. “Mann é um cineasta fundamental da contemporaneidade porque o meio é a mensagem em seus filmes. As imagens que ele produz prescindem, até certo ponto, de significados conferidos a posteriori. Elas valem o quanto deslumbram”.
Produtor-executivo da série de TV, Mann decidiu se distanciar do programa original, trazer a história para o presente, para a noite - em “Miami Vice” quase tudo se passa durante a noite. Lá estão Sonny Crockett (Colin Farrell, no papel que foi de Don Johnson) e Rico Tubbs (Jamie Foxx, no de Philip Michael Thomas), e também a idéia central do finado programa: dois detetives de Miami que se infiltram em organizações criminosas. De fato, desde “Fogo contra fogo, o personagem de Mann é sempre o profissional em crise ou forçado a se confrontar com seu reflexo num espelho que o enoja. O cineasta gosta de figuras que vivem uma versão superpoderosa deles mesmos. Personagens que se debatem com uma identidade fabricada, que, na verdade, é uma extensão deles mesmos.
O talento de Mann para trabalhar som e trilha nunca foram tão evidentes. Rodado em HD (vídeo de alta definição) pelo fotógrafo Dion Beebe, “Miami vice” já representa um enorme avanço no uso da câmera digital feito em “Collateral” (que, diga-se de passagem, nada tem haver com o uso que George Lucas e Robert Rodrigues fazem em “Star Wars” e “Era uma vez no México”, respectivamente). Mann e Beebe abraçaram o digital no que ele tem de peculiar, explorando texturas, enquadramentos e profundidades. “Miami Vice” ostenta um belíssimo grão nas noturnas, um aspecto caseiro, uma urgência experimental que enchem os planos de “verdade”. “Verdade” esta que também se dá pela incorporação da imagem de vigilância e seu estatuto referencial ainda intacto; pela apropriação de técnicas de registro em tempo real; e pelo embate que Mann promove nas passagens de um plano ao outro. O filme é estruturado pelo movimento permanente, e flui de um personagem a outro, de uma identidade a outra, de um continente ao outro, de um foco dramático a outro, de maneira acachapante.
Lendo críticas (o filme é quase uma unanimidade por aqui), fica uma dúvida quanto à importância da história. Ela é certamente menos importante que a atmosfera. Mas permanece uma certa indecisão quanto ao papel da trama no todo do filme. Quer dizer... Por vezes o filme nos dá a entender que a história é importante. Seqüências depois, ela não parece tão significativa assim. Não sei. Pra mim, o fato é que, na maioria das cenas, “Miami Vice” cai de rendimento quando direciona a câmera para as motivações dos personagens. Milton do Prado falou de uma preguiça dramática. Concordo plenamente com ele. Mann repete situações ao longo do filme e o romance entre Sonny e Isabelle (Gong Li), apesar de toda a sensualidade que nos passa a direção das imagens, não me pareceu muito convincente. Ricardo Calil diz que os personagens existem aqui “para servir ao exercício de ação e de estilo, para mostrar como o cineasta é capaz de recriar a tradição do filme policial com um fiapo de trama”. Talvez. Talvez estejamos, como apontou Cléber Eduardo, diante de uma narrativa resolvida na superfície, “na notável geometria dos olhares, na dança dos corpos, no fluxo das imagens encadeadas, nas experiências dos personagens, nas atmosferas de uma contemporânea poesia – artificial, mas não sem verdade nesses artifícios”. É importante que se diga que Mann não está mesmo atrás de um puro virtuosismo. Ele é um formalista, certamente.
No fim das contas, tendo a concordar com o Calil: em “Miami vice”, o meio é a mensagem. O trabalho de Mann é superior ao filme. “Mann é um cineasta fundamental da contemporaneidade porque o meio é a mensagem em seus filmes. As imagens que ele produz prescindem, até certo ponto, de significados conferidos a posteriori. Elas valem o quanto deslumbram”.
Enquanto isso, “Fogo contra fogo” melhora a cada revisão.
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